A primeira constatação, ainda durante o visionamento de Horizon: Uma Saga Americana – Capítulo 1, é: “quem diabos Kevin Costner pensa que é para filmar no Monument Valley, onde John Ford fincou bandeira?”
Logo depois, fica claro o desejo de fazer um western de recapitulação. Pedir benção a John Ford faz parte da ideia, mas também requer cuidados: o peso do passado é forte demais para alguém que fez um western vencedor do Oscar em 1990 (Dança com Lobos [Dances with Wolves]) e depois, ao menos oficialmente, meio que desapareceu dos holofotes da mise en scène, apesar de dois outros longas assinados por ele, O Mensageiro (The Postman, 1997) e Pacto de Justiça (Open Range, 2003), ambos razoáveis, no máximo. Ele abre este novo filme declarando tributo ao maior diretor de westerns (para mim, o maior diretor da história). Durma-se com um barulho desses.
Este primeiro capítulo estreou no Festival de Cannes, em maio deste ano. Já ficou pronto o segundo, foi exibido no Festival de Veneza, agora em setembro. Há promessa para mais dois. Cada capítulo pronto tem cerca de três horas. Costner tem ambição, mas também a esperteza de surfar na onda das séries e dos filmes transformados em séries, com capítulos de durações variadas, de acordo com o gosto de cada espectador, nas plataformas de streaming.
A história é difícil de resumir num texto sem cair em reducionismos ou incorreções. Melhor dizer como a sinopse do IMDb, que é uma história de colonização do oeste, antes, durante e depois da Guerra Civil, mais especificamente de 1859 a 1874. Sabemos como essa história foi contada por John Ford: com a força do mito. Costner pretende atualizá-la.
Uma nova sensibilidade de direção, pior que a de Dança com Lobos, muito pior que a do western clássico, para mostrar o processo de conquista do oeste sobretudo do ponto de vista dos brancos, com algumas poucas cenas do ponto de vista dos indígenas, como uma concessão ao politicamente correto. Aliás, um oficial da cavalaria falando “indigenous” no lugar de “indian” é o tipo de incorreção histórica que faz o politicamente correto soar meio ridículo, o que não deveria, pela sua importância. Modificar artificialmente o passado nunca é o caminho mais indicado a se tomar, a não ser pela galhofa.
Ford era amigo dos Navajos. Podia contar uma história do ponto de vista deles ou de outros grupos étnicos. Era muito culto e conhecia outras culturas. Não quis, pois achava que seria falso. Não seria, a meu ver, o que não implica em descuido da parte dele. Era só uma opção, que não faz dele um racista.
Clint Eastwood contou um conflito da parte EUA x Japão na Segunda Guerra Mundial em dois longas de 2006, um sob o ponto de vista dos americanos (Conquista da Honra), outro sob o ponto de vista dos japoneses (Cartas de Iwo Jima). Foi extremamente respeitoso e não foram poucos os que consideraram o longa japonês superior. Costner prefere a equação desfavorável, achando que já está de bom tamanho e não prejudicaria o filme comercialmente.
Grosso modo, a conquista do oeste aconteceu com o confinamento dos indígenas em reservas e o massacre daqueles que não aceitavam ser confinados; com uma malha ferroviária que diminuía as distâncias e trabalhadores escravos em sua construção, principalmente negros e chineses. Costner tomou o cuidado de blindar seu filme dos ataques progressistas de hoje. Ele mostra os indígenas matando impiedosamente, mas procura mostrar, ainda que timidamente, suas razões.
Uma pena que sua direção, em boa parte, seja meio convencional, com uma música fraca e usada sem muita imaginação, estrondos sonoros pontuando as cenas, uma chacoalhada sem muito critério nas cenas de ação e um grupo muito grande de personagens, como numa minissérie (e ainda aparecerão mais).
Há também os bons momentos. Querendo agradar a todo mundo, algumas cenas mostram uma direção mais elegante, como havíamos visto em seu primeiro longa. Há, por exemplo, a cena do primeiro confronto do personagem de Costner com um falastrão interpretado por Jamie Campbell Bower, que já nos tinha dado raiva na cena anterior. Parecia óbvio que esse falastrão levaria chumbo, o que aconteceu na cena seguinte, a melhor deste primeiro capítulo porque a direção soube trabalhar os silêncios, os olhares e a expectativa do chumbo. O filme vai bem nessas cenas de tensão, com pouquíssima ação a não ser a que desprende a tensão. E vai mal nas grandes sequências de ação, como a do ataque indígena logo no início. Felizmente, são poucas.
Sendo um ator-diretor, o elenco tem sua uniformidade, um equilíbrio interessante de atuações e, por vezes, superatuações controladas, tanto dos principais, o próprio Costner, Sienna Miller, Abbey Lee, Luke Wilson, Sam Worthington, quanto do monte de coadjuvantes conhecidos do cinéfilo atual. Algumas cenas com Sienna Miller tem a música melosa demais, mas não é culpa da atriz.
O que Horizon: Uma Saga Americana – Capítulo 1 tem de bom pode ser pouco para três horas de duração (um pouco menor, se considerarmos as “cenas do próximo capítulo”). Mas este primeiro longa acaba se impondo pela ambição. Longe de ser memorável, até por não trazer nada de muito novo além da correção política, merece ser visto para relembrarmos esse período da história dos EUA e para se aventurar, depois, pelos outros capítulos, com a esperança de que a direção melhore.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Horizon: Uma Saga Americana – Capítulo 1 | Horizon: An American Saga – Chapter 1 | 2024 | 181 min. | EUA | Direção: Kevin Costner | Roteiro: Jon Baird, Kevin Costner | Elenco: Kevin Costner, Sienna Miller, Sam Worthington, Jena Malone, Owen Crow Shoe, Tatanka Means, Ella Hunt, Giovanni Ribisi, Danny Huston, Abbey Lee, Luke Wilson, Isabelle Fuhrman, Georgia MacPhail, Tom Payne, Jamie Campbell Bower .