“Interlúdio de Amor”: Um belo retrato do choque de gerações dos anos 1970
Interlúdio de Amor retrata o choque de gerações da época de sua realização. O filme se passa no início dos anos 1970, quando a cultura hippie dos jovens contrastava com o conservadorismo de quem tinha mais de 40 anos.
O casting é emblemático nesse sentido. A jovem Kay Lenz só aparecera na tela grande em um pequeno papel em Loucuras de Verão (American Graffitti, 1973) e seu histórico incluía apenas filmes e seriados de televisão. Interlúdio de Amor, portanto, representava um passo ousado, assumindo um papel principal com apenas 19 anos de idade. Como contraponto, está o veterano astro William Holden, então com 54 anos, mas ainda com pinta de galã. A dupla simboliza vivamente a diferença das duas gerações.
O feminismo consistia em uma das bandeiras da nova cultura e ele estampa a tela já nas primeiras sequências. Breezy (Kay Lenz) acaba de passar a noite com um estranho, que nem sabia o nome dela, e é ela quem se levanta da cama e vai embora sem maiores cerimônias. Já o divorciado Frank Harmon (William Holden) está em sua bela casa nas colinas em Los Angeles chamando um táxi para uma mulher com quem dormiu, fingindo que telefonará para ela em breve. Sua atitude machista contrapõe-se à autonomia de Breezy.
Os caminhos do bem sucedido corretor de imóveis e da jovem que vive sem moradia e recursos se cruzam. Após uma carona que quase acaba em estupro, Breezy espera em frente à casa de Frank por uma oportunidade de conseguir voltar para a cidade. Ele aceita leva-la, mas percebe que ela pretende conseguir também uma refeição e qualquer ajuda adicional. Apesar de sua recusa em cair na conversa de Breezy, ela acaba forçando situações para que se vejam.
Sociedade em conflito
O colega de trabalho de Frank tece um comentário sobre um grupo de hippies que conversa em frente à imobiliária, zombando da aparência deles. É esse o preconceito que a sociedade conservadora norte-americana sentia em relação à nova geração. Logo, a impulsiva Breezy tenta quebrar a seriedade de Frank. Então, aos poucos, sua espontaneidade acaba penetrando na dureza dele. A revelação de que esse homem está apaixonado pela garota surge no filme quando ele retorna tarde para casa, onde Breezy o aguarda. O diretor Clint Eastwood usa a câmera na mão para demonstrar o quão perturbado Frank se sente, enquanto a procura pelos cômodos.
As roupas também representam os arcos dos personagens. Frank costuma vestir terno completo, mas, após a primeira noite de amor com Breezy, ele surge com uma blusa numa cor laranja bem forte, que será retomada em uma cena crucial posteriormente. E a jovem hippie sempre usa as mesmas roupas: um jeans claro sem bolsos, uma blusinha marrom sem sutiã, botas e um chapéu. Suas vestimentas mudam quando os dois assumem a paixão mútua, pois Frank lhe compra algumas roupas novas, em cena que manifesta que as duas gerações podem se beneficiar ao mesclarem suas influências.
As cenas de sexo surpreendem pela tonalidade escura, com muito preto preenchendo a tela, e pela sobriedade, que conduz a sensualidade das sequências. Na primeira vez, Breezy simplesmente diz: “Faça amor comigo”, e não inseriram nenhuma outra linha de diálogo, que poderia atrapalhar o clima. Em coerência com a oposição entre as gerações, Kay Lenz aparece nua, mas William Holden não.
Um apelo à leveza
A crise do relacionamento do casal principal surge de uma conversa de Frank com seu amigo. Ele se deixar influenciar pelos preconceitos de sua geração e se preocupar com o que os outros pensam sobre ele andar com uma mulher tão jovem. Quando os dois brigam, Breezy joga na cara dele essa fraqueza dele, pedindo-lhe que Frank não ensine o cachorro que eles salvaram a rolar ou se fingir de morto.
Com exceção dessa sequência de briga, que todo filme romântico inclui, Interlúdio de Amor possui um tom relaxado. Aliás, traduzindo o modo de viver de Breezy, cujo nome representa bem a leveza como ela encara a vida. O filme defende que a velha geração se abra para receber essa cultura jovem, deixando de lado seus preconceitos. Frank passa por uma transformação, Breezy continua a mesma.
Curiosamente, Interlúdio de Amor mostra em um cinema um pôster de “O Estanho Sem Nome” (High Plains Drifter, 1973), filme anterior dirigido por Clint Eastwood. O astro dos filmes de ação e faroestes surpreendeu o público ao dirigir um filme romântico. De fato, o zeitgeist daqueles anos abrira as portas para novas experiências também no cinema, revelando a Nova Hollywood.
Ademais, é possível, inclusive, fazer uma leitura do filme como uma alegoria da chegada dessa nova geração de cineastas (representada pela personagem de Kay Lenz), confrontando o cinema tradicional (o Frank de William Holden). Enfim, em seu terceiro trabalho na direção, Eastwood mostra talento ao mesclar essas duas vertentes, ousando no tema e em alguns aspectos também no estilo.
Ficha técnica:
Interlúdio de Amor (Breezy, 1973)
106 min. Dir: Clint Eastwood. Rot: Jo Heims. Com William Holden, Kay Lenz, Roger C. Carmel, Marj Dusay, Joan Hotchkins, Jamie Smith-Jackson, Norman Bartold, Lynn Borden, Shelley Morrison, Dennis Olivieri, Eugene Peterson, Lew Brown, Richard Bull, Johnnie Collins III, Don Diamond, Scott Holden, Sandy Kenyon, Earle.