Irmãos à Italiana trabalha o real e o imaginário para descrever a experiência de um menino que testemunha um atentado contra o seu pai.
O enredo
Em Roma, no ano de 1976, o menino de 10 anos Valerio vê, do alto de seu apartamento, homens atacando a tiros o seu pai na rua. Quando ele desce, vê no chão um dos terroristas agonizando até morrer. Nos dias seguintes, os adultos tentam ocultar o que aconteceu contando mentiras. Na escola, a professora diz a Valerio que seu pai é um herói, enquanto alguns meninos alegam o contrário, ou seja, que o pai é um vilão.
Nesse momento, um menino de 14 anos chamado Christian surge em sua vida. Logo, constroem uma forte amizade. Mesmo quando Valerio viaja com a família para o litoral, Christian volta a aparecer. Então, Valerio apresenta o amigo à sua família, que o recebe bem, mesmo sem conhecer suas origens, cuja revelação será uma surpresa.
O diretor
Neste seu terceiro longa-metragem, o diretor Claudio Noce expurga os fantasmas de sua própria infância. De forma similar, nos anos 1970, seu pai era vice-diretor da polícia de Roma quando foi vítima de um atentado. Ele explica:
“Fiz este filme enquanto lutava uma batalha interna. Por um lado, lutei com meu passado enquanto trabalhava no lado autobiográfico da história, que estava intimamente conectado com minhas próprias memórias. Por outro, me sentia livre para explorar a amizade e os relacionamentos em um nível mais imparcial. Apesar dessa separação, os dois reinos compartilham o mesmo esforço investigativo.”
Análise crítica
É nítido o envolvimento pessoal do diretor com a história de seu filme Irmãos à Italiana. Isso fica evidente na sensibilidade com que ele trata o protagonista Valerio. Afinal, ele é o seu alter ego. Por isso, soa muito autêntica a reação do menino logo após o atentado, quando se sente subestimado diante das mentiras da mãe e, depois, do pai. Os adultos querem esconder a verdade, mas é inútil, porque ele mesmo testemunhou o atentado. Além disso, ele presenciou o último suspiro de um dos agressores, algo que só ele viu.
Essa história em si já possui força suficiente para construir uma narrativa dramática impactante. Porém, o realizador Claudio Noce optou por inserir uma camada de fantasia na trama. Assim, ele indica que o garoto Christian pode ser um amigo imaginário. Primeiro, porque a primeira cena do filme mostra que o protagonista Valerio fantasia que tem uma companhia de tal tipo, com quem ele brinca, chegando até a lhe oferecer comida. Além disso, em vários trechos, Christian aparece e desaparece de repente, quase magicamente.
Por outro lado, o diretor contraria essa interpretação a partir do momento em que a família de Valerio cumprimenta e interage com Christian. Portanto, se outras pessoas confirmam sua existência, ele não pode ser imaginário.
Real ou imaginário
Ao lidar com essa dúvida entre o real e o imaginário, Claudio Noce desvia o espectador do ponto principal da trama, que é o trauma de Valerio. Na verdade, não causaria dano inserir esse amigo como fruto da imaginação, desde que isso ficasse definido. Afinal, se trata de um recurso inconsciente de uma criança buscando o apoio pós-traumático que ele não encontra nos pais. Contudo, o problema é deixar essa questão em aberto, colocando-a à frente do tema central do filme.
Por isso, apesar de todas as indicações que levam a essa dúvida se Christian é ou não imaginário, Irmãos à Italiana pode ser melhor apreciado considerando que o garoto é real. Dessa forma, esse personagem ganha peso, pois ele esconde que o seu pai é o terrorista que Valerio viu morrer, e, portanto, está em busca de uma resposta ao se aproximar do alvo daquele ataque. E, assim, também amarra bem o prólogo e o epílogo do filme, que mostram o reencontro dos dois meninos quando adultos.
Ademais, considerar Christian uma pessoa real não afasta a possiblidade emblemática desse personagem. Nesse sentido, ele simbolizaria a verdade. Aos poucos, Valerio se aproxima dela. No início, só ele enxerga Christian, depois a família reconhece sua presença. Por fim, na fase adulta, Valerio reencontra o amigo e reconectam a amizade, representando a paz interna finalmente alcançada ao compreender o que aconteceu.
Em suma, Irmãos à Italiana desperdiça esse tema tão caro ao seu realizador por não se definir entre a presença real ou imaginária do amigo que, no final das contas, representa essa experiência traumatizante.
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Ficha técnica:
Irmãos à Italiana (Padrenostro) 2020, Itália, 120 min. Direção: Claudio Noce. Roteiro: Claudio Noce, Enrico Audenino. Elenco: Pierfrancesco Favino, Barbara Ronchi, Mattia Garaci, Francesco Gheghi, Lea Favino, Giordano De Plano, Paki Meduri, Anna Maria de Luca.
Distribuição: Pandora Filmes.
Gostou? Então, conheça: O Traidor (2019), também estrelado por Pierfrancesco Favino.