Único filme dirigido por Dalton Trumbo, um dos maiores roteiristas do cinema norte-americano, Johnny Vai à Guerra é um contundente libelo contra a guerra. É um protesto autêntico de quem teve a vida prejudicada pelo idealismo estúpido dos que estavam no poder. Afinal, Trumbo entrou na lista negra do McCarthismo, acusado de ser comunista. Por isso, passou a maior parte de sua carreira sem trabalho, ou escrevendo sob outro nome. Incógnito, ganhou dois Oscars de roteiro, por “A Princesa e o Plebeu” (Roman Holiday, 1953) e por “Arenas Sangrentas” (The Brave One, 1956), usando outras pessoas como autores oficiais.
Johnny Vai à Guerra foi realizado no final de vida de Trumbo, cinco anos antes de sua morte. Porém, isso não o impediu de ser ousado, em linha com o zeitgeist contestador do início dos anos 1970, tal qual os jovens diretores da Nova Hollywood, que revolucionavam o cinema norte-americano. O antibelicismo era tema recorrente na época, principalmente diante da insistência do governo em manter a Guerra do Vietnã.
A audácia de Trumbo surge desde os créditos iniciais. Nela, um rufar de tambores em tom militar embala cenas jornalísticas de czares e seus exércitos marchando nas ruas. Enquanto isso, os nomes aparecem em fonte de notícias de jornais. Ao mesmo tempo que essa introdução contextualiza a época da estória do filme, Trumbo também enfatiza ser essa uma obra de um escritor, e que contará um fato fictício não muito distante da realidade.
Vítima da guerra
O filme começa logo após uma explosão nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. A tela escurece e se mantém assim, com tela preta e sem som durante um tempo longo o suficiente para incomodar. Logo perceberemos que vivenciamos o que o jovem Joe sente, quando retorna do front mutilado, sem poder falar, ver ou ouvir, seu rosto deformado e as pernas e braços amputados. Ele consegue movimentar apenas sua cabeça e seu tato foi preservado. E, ao contrário do que os médicos militares acreditam, seu cérebro ainda funciona, e seu pensamento, em narração off, é que conduzirá a trama.
Nesse estado debilitado, Joe recorda como foi sua vida. Para bem retratar seus sentimentos e também para separar a realidade atual com as memórias passadas, a fotografia em preto e branco foi escolhida para os dias atuais e as cores são reservadas para recordações, e eventuais fantasias. Joe relembra momentos vividos com seus pais e com sua namorada, e tem delírios com situações surreais e com contato com Cristo. Uma das enfermeiras se afeiçoa a ele, e eles se tocam para trocar sentimentos.
Impiedoso
Então, em um sonho, o pai de Joe lhe dá a dica de movimentar a cabeça em Código Morse para se comunicar. Porém, isso só piora a situação do rapaz, pois os médicos militares querem que ele seja apenas um objeto de estudo, e não uma pessoa de fato. Joe pede que o matem, mas acompanhamos a câmera se afastando dele muito vagarosamente, enquanto ele suplica pelo seu pedido, em agonia, e as luzes vão se apagando. É uma cena terrível, que possui a força do protesto de Dalton Trumbo contra esse militarismo impiedoso. Com todo o direito, afinal, ele foi Joe durante quase toda sua vida, impossibilitado de poder expressar abertamente seus pensamentos.
Como curiosidade, Johnny Vai à Guerra inspirou a música “One”, do Metallica, e o videoclipe traz cenas do filme para ilustrá-lo.
Ficha técnica:
Johnny Vai à Guerra (Johnny Got His Gun, 1971) EUA, 111 min. Dir/Rot: Dalton Trumbo. Elenco: Timothy Bottoms, Kathy Fields, Marsha Hunt, Jason Robards, Donald Sutherland, Charles McGraw, Sandy Brown Wyeth, Alice Nunn, Marge Redmond, Jodean Lawrence, Diane Varsi.