No contundente filme de tribunal Jurado Nº 2, o diretor Clint Eastwood compartilha com o espectador o dilema moral do protagonista. Lembra 12 Homens e uma Sentença (1957), mas com um ingrediente adicional: um dos jurados secretamente é o responsável pelo crime que está em julgamento.
Quando atendeu a convocação para compor o júri, Justin Kemp (Nicholas Hoult) não tinha ideia de que provocou a morte de uma mulher enquanto dirigia numa noite chuvosa. E um outro suspeito pode ser condenado por esse acontecimento. Com habilidade, através de flashbacks, o filme mostra como ele reconstrói os eventos daquela noite na abertura do julgamento, e descobre, com espanto, que ele não atropelara um veado, como ele pensava.
Quem está sendo acusado é James Sythe (Gabriel Basso), o namorado da vítima. Manchas em seu passado e constantes brigas do casal predispõem todos a condená-lo antes do devido processo da lei. Para a promotora Faith Killebrew (Toni Collette), esse notório caso parece cair como uma luva na sua campanha para ser eleita procuradora federal.
Para surpresa do espectador (e o filme quebra as expectativas do espectador em vários momentos), o jurado número 2, Justin Kemp, levanta dúvidas sobre a culpabilidade do acusado, apesar de que uma decisão célere condenando Sythe o livraria de ser envolvido no incidente. Afinal, Justin é um homem honesto, e não quer que um inocente pague pelo seu erro. Sua voz dissidente convence outros jurados, e logo o grupo não consegue chegar a um consenso. É crucial salientar que, no sistema judiciário estadunidense, o réu pode ser considerado culpado ou não culpado (not guilty), que é diferente de ser inocente – significa que não há provas suficientes para condená-lo.
A Justiça e a Verdade
A virada na trama, e no comportamento do protagonista, acontece quando sua esposa descobre que ele é o responsável pela morte da vítima. Ela teme enfrentar sozinha a sua gravidez de alto risco, e também a posterior criação do bebê. A súplica dela leva Justin a prometer que sempre protegerá a família. Em outras palavras, decide agir de forma diferente como júri, agora com o objetivo de se livrar de qualquer suspeita.
O diretor Clint Eastwood possui controle total sobre o espectador. Isso fica mais que evidente na parte final do filme, quando conduz o público para diferentes conclusões.
Antes de tudo, planta uma dúvida, ao mostrar que ninguém está sentado no banco de Justin no tribunal, quando o veredito é lido. Será que descobriram que ele é o responsável pela morte da vítima? A decisão do júri desmente essa hipótese, bem como a cena imediatamente subsequente. Em seguida, o filme parece que imputa ao protagonista a punição do sentimento de culpa – como o personagem de Edward G. Robinson em Um Retrato de Mulher (1944), de Fritz Lang. Isso fica deduzido quando uma sirene de polícia assusta Justin. Ou seja, ele não foi punido criminalmente, mas passará o resto da vida atormentado pela sua consciência.
Um basta à impunidade
Segue-se, então, a conversa entre Justin e a promotora Faith (os nomes desses dois personagens certamente não foram escolhidos ao acaso), em frente ao prédio da corte judicial e da conhecida estátua com a balança que simboliza a Justiça. A promotora acaba de chegar à conclusão de que Justin atropelou a vítima. Mas, o rapaz racionaliza a situação, argumentando que ele, uma pessoa boa, continua livre, e o outro, que era violento e tinha um passado sombrio, está na prisão. Então, o resultado acabou sendo o mais apropriado. O final desta cena é emblemático: a balança da estátua balança agitadamente por causa do vento.
A sequência final consegue conduzir o espectador para dois lados. Primeiro, ao mostrar Faith chegando, num belo Mercedes, ao seu novo trabalho como procuradora federal recém-eleita, e Justin em casa com a esposa e o bebê, a conclusão é que esses dois protagonistas saíram no lucro fechando os olhos para a Justiça. Em outras palavras, o egoísmo prevalece sobre o que é correto. No entanto, Eastwood prefere não fechar seu filme com essa conclusão cínica. Ao invés disso, escolhe ser direto e implacável como Dirty Harry para não deixar nenhum criminoso impune. E faz isso sem a necessidade de palavras.
Parece paradigmático que Sidney Lumet tenha estreado no cinema com um brilhante filme sobre jurados e que Clint Eastwood, hoje com 94 anos, talvez encerre sua carreira com um outro tão brilhante quanto. Marcos emblemáticos de dois cineastas que, além de filmarem com maestria, sempre tiveram muito a dizer através de seus filmes.
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Ficha técnica:
Jurado Nº 2 | Juror #2 | 2024 | EUA | 114 min. | Direção: Clint Eastwood | Roteiro: Jonathan A. Abrams | Elenco: Nicholas Hoult, Toni Collette, J.K. Simmons, Kiefer Sutherland, Zoey Deutch, Adrienne C. Moore, Drew Scheid, Leslie Bibb, Hedy Nasser, Phil Biedron, Cedric Yarbrough, Bria Brimmer, Chris Messina, Amy Aquino, Gabriel Basso, Chikako Fukuyama.
O filme Jurado Nº 2 estreia diretamente no streaming da Max em 20 de dezembro de 2024.