Presente na programação do Festival Varilux 2024, Madame Durocher é mais um filme que tira do anonimato uma figura histórica importante. A personagem-título foi uma pioneira, a primeira e única mulher do curso de partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a primeira mulher a ser aceita na Academia Brasileira de Medicina. Mas a homenagem fica pelo meio do caminho.
O enredo começa com Marie Durocher (Jeanne Boudier) ainda jovem vivendo com sua mãe solteira, a imigrante francesa Anne (Marie-Josée Croze), na primeira metade do século 19, no Rio de Janeiro. Certa noite, uma escrava bate à porta, prestes a dar à luz. Marie ajuda o médico Dr. Joaquim (André Ramiro) no parto, e descobre a sua vocação. Após a morte da mãe, ela ingressa no curso de parteira, beneficiando-se da alteração da lei que passou a permitir mulheres na Faculdade de Medicina, nessa modalidade. Diante dos preconceitos dos colegas, e até de uma tentativa de estupro nas ruas, ela resolve adotar um figurino masculino, causando ainda mais polêmica.
A trama cobre também a vida de Durocher na meia-idade (vivida por Sandra Corveloni), a partir da epidemia de cólera no Rio de Janeiro. Embora considerada uma excelente parteira, ela ainda sofre críticas dentro da classe médica. Além disso, atende escravos, pobres e prostitutas, o que outros médicos tentam evitar.
Bandeiras contra o passado
O roteiro foi escrito com a perspectiva de hoje, ou seja, com evidente revolta e repúdia contra os aspectos sociais da época retratada. Durocher, assim, ganha contornos progressistas. Seus méritos ultrapassam sua atuação como parteira, e alcançam uma luta contra a escravidão, contra a desigualdade econômica, e os preconceitos contra negros, mulheres e gays. Essa luta, no entanto, prejudica o enredo, que se transforma em instrumento para levantar todas essas bandeiras.
Com isso, abre-se espaço para personagens extremamente preconceituosos, como o médico e professor interpretado por Mateus Solano. Beirando o caricato, suas aulas parecem apresentações teatrais que fazem insuflar o antagonismo contra a única aluna da turma. Em contraponto, Durocher se aproxima de uma figura santa, que enfrenta os martírios sem desistir de sua missão de atender a todos.
A direção de Madame Durocher torna essa trama ainda menos convidativa de se acompanhar. A câmera está quase sempre na mão, se movendo em direção ao personagem que fala, no mesmo plano, ou acompanhando a sua movimentação. Parece até que proibiram a entrada de tripés no set de filmagem.
Ao invés de homenagear essa pessoa notável, fica a impressão de que o filme apenas utiliza Madame Durocher como instrumento para levantar bandeiras contra o pensamento misógino do século 19. Nessa intenção, seria mais contundente combater o que acontece ainda hoje, e não criticar o que se passou há quase dois séculos.
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Ficha técnica:
Madame Durocher | 2023 | 120 min. | Brasil | Direção: Dida Andrade, Andradina Azevedo | Roteiro: Rita Buzzar, João Segall | Elenco: Sandra Corveloni, Marie-Josée Croze, Jeanne Boudier, Isabel Fillardis, Thierry Trémouroux, Armando Babaioff, Mateus Solano, Adriano Toloza, Fernando Alves Pinto, Flávia Souza, Fernando Buzahr Segall, Clara Moneke, Junior Vieira, Lipy Adler, Joana Lapa, Natália Coutinho, Kênia Bárbara, Isabella Dragão, Carolina Amaral, André Ramiro, Nelson Baskerville.
Distribuição: Elo Studios.