Marcello Mio, de Christophe Honoré, ganha suas primeiras exibições no Brasil na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
O filme se destaca pela sua proposta ousada, com vários atores interpretando a si mesmos. A personagem principal é Chiara Mastroianni que, após novamente ser comparada ao pai e à mãe Catherine Deneuve em um ensaio de uma filmagem, decide encarnar Marcello. Bastou um terno, um chapéu, óculos e um cigarro para ela ficar idêntica ao pai. Deneuve e seu ex-marido Benjamin Biolay não interferem na decisão dela. Mas seu outro ex, Melvil Poupaud a contraria com agressividade. Em papel cômico, o ator Fabrice Luchini lhe dá apoio total e irrestrito, aproveitando para estreitar suas relações com Marcello Mastroianni – oportunidade que não teve no passado.
Aparentemente, Marcello Mio mergulha fundo na mente de Chiara, que coloca para fora todo peso que carrega por ser filha de um casal tão célebre. Segundo o que vemos no filme, ela e a mãe são muito próximas. Mas, como resolver as questões incômodas com o pai que já faleceu (em 1996)? Colocar-se no lugar dele, talvez derivada da terapia da constelação familiar, pode ser a solução, aqui levada ao extremo nessa trama.
Ficção pura ou baseado em fatos
No entanto, incomoda o fato de Chiara não constar nos créditos do roteiro, exclusivamente escrito pelo diretor Honoré. Sendo um assunto tão pessoal, é estranho que ela não seja a fonte da trama. Quem sabe, ela contribuiu, o que seria mais do que razoável. Porém, não há como inferir tal conexão diante dos créditos.
Portanto, todo o enredo pode ser ficcional, obra da imaginação de Honoré. Certamente excluindo tudo que desabone ou contrarie algum detalhe essencial da vida dos artistas que interpretam ele mesmos, ou uma versão deles mesmos. Talvez Chiara não sinta tão fortemente a questão da sua herança, ou da relação com o pai. Não importa. Em nome da liberdade artística, não há por que recusar um filme assim.
O problema de Marcello Mio é outro, que talvez resulte da não participação de Chiara na criação do roteiro. O filme peca por não ir tão fundo como sua proposta permitiria. Poderia trazer à tona uma questão que incomoda a atriz desde criança. Aliás, cenas da sua versão infantil na companhia de Marcello Mastroianni dão a impressão de que a trama entrará nesse campo. Mas, o roteiro prefere apostar no humor – por exemplo, no programa de variedades na TV e a subsequente fuga do estúdio.
Medo de arriscar
Quando Chiara é presa, ela logo se desmascara para não ser trancada na cela masculina. A cena serve até como analogia para o filme: nem Chiara nem o longa estão dispostas a se arriscar. A conclusão reforça esse comportamento. Deneuve cumprimenta Chiara com um beijo na boca, por um instante confundindo-a com Marcello. Na cena seguinte, Deneuve canta a saudade que sente dele. Chiara se aproxima dela, mas Honoré não tem coragem de arriscar uma ousadia. Prefere parar por aí o filme – da mesma forma, Chiara também desiste de personificar o pai. O banho no mar, como de praxe, simboliza que ela se livrou de seus problemas. Simples demais.
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Ficha técnica:
Marcello Mio | 2024 | 121 min. | França, Itália | Direção: Christophe Honoré | Roteiro: Christophe Honoré | Elenco: Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve, Fabrice Luchini, Nicole Garcia, Benjamin Biolay, Melvil Poupaud, Hugh Skinner, Stefania Sandrelli.