A situação inusitada de Matar a un Muerto denota como era viver sob a ditadura no Paraguai em 1978.
A trama
Dois homens vivem num local remoto com a função de enterrar os corpos das vítimas do regime militar. Eventualmente, em uma das remessas, chega um que ainda está vivo. O homem mais velho, apelidado de Pastor, acha que eles devem matá-lo, mas o mais jovem, Dionísio, discorda.
Entre a distração da Copa do Mundo da Fifa de 1978 que acontece na Argentina e os problemas com o transmissor e com o radinho, surge uma visita de um militar. O risco que representa eles acobertarem o sobrevivente deixa evidente o clima de medo imposto pela ditadura.
Nesse sentido, a cena final é emblemática. A chuva torrencial, que ecoa essa época de terror, força Pastor e Dionísio se abrigarem na cabana onde moram. Logo, o sobrevivente sai da mata e se junta a eles. Ou seja, os dois protagonistas trabalham para os militares, mas sem nenhuma afinidade ideológica com o regime. A questão é mais básica, principalmente de sobrevivência. Tanto para ganhar o seu sustento como por medo do regime. É esse medo que congrega os três no abrigo, aguardando que a tempestade vá embora.
Direção
Matar a un Muerto marca a estreia em longa ficcional do diretor Hugo Giménez, que também é o autor do roteiro. O filme, basicamente, conta apenas com dois personagens, e que ainda por cima falam pouco. Por isso, Giménez conduz a narrativa através das imagens. Dessa forma, o espectador descobre gradativamente o estranho serviço que eles executam. Os sons, formados pelos ruídos da natureza, ajudam a compor esse ambiente isolado, onde a moral dos homens parece suspensa.
A chegada do morto que não está morto ajuda a esclarecer que esses homens são diferentes daqueles que enviam os cadáveres. Sob a ótica de seus empregadores, se o corpo está vivo, então eles deveriam matá-lo. Mas, isso não cabe na lógica de Dionísio, pois eles não são assassinos. Demora, mas o seu companheiro Pastor acaba por enxergar a situação dessa forma também. Afinal, nessa situação extrema, se há inimigos, eles não estão entre os oprimidos.
Esse estilo de direção de Gimenéz, contando a história sem precisar das palavras, é coerente até o seu final. A conclusão simbólica deixa por conta do espectador a interpretação sobre o tema do filme. Sem, contudo, dar margem a divagações dispersas, pois não se trata de um final aberto.
Elenco
Gimenéz conta com ótimas atuações dos dois atores protagonistas, Ever Enciso e Aníbal Ortiz. Aliás, este último ganhou prêmio de melhor ator no Festival de Gramado no papel do calado Gimenéz. De fato, é um reconhecimento merecido, pois seu personagem é o mais complexo. Sem muito falar, consegue convencer, com sua sensatez, o colega que assume algumas posições irracionais.
Enfim, Matar a un Muerto é um forte registro de como a ditadura criou absurdos como esse trabalho clandestino dos seus protagonistas. E prova como foi vital a existência de anônimos como Gimenéz, que não se deixaram influenciar pela loucura ao redor.
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Ficha técnica:
Matar a un Muerto | 2019 | Paraguai, Argentina, França | 87 min. Direção e roteiro: Hugo Giménez. Elenco: Ever Enciso, Aníbal Ortiz, Silvio Rodas.