Quarto longa-metragem do cineasta Pedro Almodóvar, Maus Hábitos (Entre Tinieblas, 1983) é o primeiro dele com uma produtora por trás do projeto. Temas recorrentes em sua carreira desfilam aqui, mas o resultado pesa mais para a intenção de causar escândalo do que realizar um grande filme.
Almodóvar reúne prostitutas, religião católica, drogas, homossexualismo e música, temas presentes em sua filmografia, como sempre embalados com um visual kitsch. Na história, a cantora de boate Yolanda entrega uma droga para seu namorado Jorge, que morre após ingerí-la. Com medo de que a investigação da polícia a alcance, Yolanda se esconde num convento especializado em redimir garotas perdidas. Mas, a instituição foge dos padrões certinhos tradicionais. Há freiras drogadas, lésbicas, chantagistas, e elas carregam apelidos humilhantes, como Esterco, Víbora, Rata etc. Há até mesmo um tigre no quintal, que abre portas para interpretações simbólicas.
O que move a ação é que a Madre Geral em breve virá visitar o convento e ela pode decidir fechá-lo, já que a instituição não tem mais condições de se sustentar após o cancelamento da mesada por parte da Condessa. Seu marido morreu e era ele que se importava com o convento, por ter ajudado sua filha anos atrás. No início da parte final do filme, as freiras preparam uma festa para a Madre Superiora local, e Yolanda aceita cantar no evento.
“Mudança de Hábitos” para adultos
Como muitos perceberam, a trama se assemelha muito com a de Mudança de Hábito (Sister Act, 1992), produção americana posterior estrelada por Whoopi Goldberg. Oficialmente, não existe relação entre os dois filmes, mas muitos chamam o filme de Almodóvar como um Mudança de Hábito para adultos.
Mau Hábitos, como era de se esperar de um filme de Almodóvar, não tem receio de ser provocativo. Mostra claramente a Madre Superiora se drogando e na cama com uma ex-interna redimida. Além disso, ela tenta extorquir a Condessa para receber dinheiro em troca de uma carta com informações da filha dela que morreu em uma missão religiosa na África. Se bem que outra personagem apresenta um segredo mais criativo, e igualmente escandaloso: uma das freiras, a Irmã Rata, escreve livros populares picantes com um pseudônimo. Enfim, o filme traz vários elementos afrontosos, mas não tenta arrancar risos do público. Salvo, talvez, em alguns momentos isolados, como no diálogo de Yolanda com a sobrinha da irmã Rata:
“- Você não é uma monja?”, pergunta a garota.
“- Não, sou uma puta.”, responde Yolanda.
Mas, possui momentos de bom cinema. Por exemplo, o prólogo repleto de suspense quando o namorado de Yolanda acidentalmente morre. Ou a entrada da protagonista na igreja, abrindo a porta ao fundo da igreja que permite que uma luz celestial introduza sua presença.
Por outro lado, a história não é consistente e possui pontos não bem amarrados. Por exemplo, o tigre parece mais um elemento surreal do que uma inserção simbólica importante para a trama. Além disso, entre outros senões, não entendemos o motivo de Yolanda trair a Madre e entregar a carta objeto do suborno para a Condessa. Em outras palavras, Almodóvar ainda estava em processo de lapidação.
___________________________________________
Ficha técnica:
Maus Hábitos | Entre Tinieblas | 1983 | 114 min | Espanha | Direção e roteiro: Pedro Almodóvar | Elenco: Cristina Sánchez Pascual, Marisa Paredes, Mary Carrillo, Carmen Maura, Lina Canalejas, Manuel Zarzo, Chus Lampreave, Laura Cepeda, Marisa Tejada, Eva Silva, Cecilia Roth, Will More.