Obra e vida se misturam em Mentes Extraordinárias (Presque) e, se não fosse assim, o filme provocaria julgamentos que impediriam a sua plena fruição. Antes de tudo, vamos já esclarecer que o ator Alexandre Jollien é deficiente como seu personagem Igor Parat. Portanto, não cabe aqui questionar se a sua atuação é autêntica ou não. Isso é importante tirar da frente até mesmo antes de assistir ao filme, para ficarmos livres de analisarmos se a interpretação é politicamente correta ou não.
Não só é correta como vai além, aproximando o ator (que também é co-roteirista e codiretor do filme) do personagem. A própria origem da deficiência é a mesma, o estrangulamento pelo cordão umbilical. Além disso, os dois se unem pela Filosofia, que Igor aprende nos livros e pratica constantemente lançando pérolas de pensamentos para as pessoas que encontra durante esse road movie. E que Jollien estudou e adotou como profissão, já tendo publicado vários livros.
Ao seu lado, Jollien conta com seu experiente amigo Bernard Campan, ator, roteirista e diretor francês. Aliás, na tela e fora dela. Codiretor e co-roteirista, Jollien vive o protagonista Louis Caretti, um agente funerário que atropela Igor, enquanto este fazia uma entrega montado em uma bicicleta. Um outro acaso os leva juntos num rabecão que parte da cidade deles, Lausanne, na Suíça, até o sul da França. Durante o trajeto, conhecem outras pessoas, passam por novas experiências, e estreitam um novo laço de amizade entre os dois. Mais que isso, aprendem mais sobre si mesmos e sobre como viver a vida da melhor forma possível. Como contraponto irônico, os dois transportam um corpo e as cinzas do neto da falecida (outra relação familiar surgirá na conclusão).
Emoção acima da técnica
A direção, por conta da dupla Jollien e Campan, apresenta algumas falhas. A sequência em que encontram Cathy (Tiphaine Daviot), é forçada e com erros de edição. A moça soa exageradamente simpática e receptiva, e isso se prolonga até a despedida de solteira da amiga.
Mas, os defeitos ficam insignificantes diante da enorme carga emocional que o filme entrega. Destaca-se a cena do primeiro sexo da vida de Igor, filmada com uma delicadeza tocante. E, tudo ganha um sabor especial com os bordões espirituosos de Igor (ou de Jollien?) ao longo de todo o filme. Sarcástico, ele encontra similaridade entre o seu trabalho de delivery numa bike e o agente funerário. “Os dois fazem entregas!”, aponta ele. Refletindo sobre a experiência reveladora que se torna essa viagem, Igor comenta que ele só tinha amigos de papel (os livros), e, agora, ele tem um de carne e osso.
Por outro lado, Jollien deixa a sua mensagem, que vem de sua própria vivência. O “presque” (quase) do título original ecoa o que as pessoas lhe dizem, ou seja, que ele quase parece normal. Toda a sabedoria que ele adquire nos livros o permite absorver o isolamento que esse comentário provoca. Mas, ele desabafa e quer ser autônomo, e quer ser tocado (sem luvas!).
No entanto, não pense que Mentes Extraordinárias é um filme de lamentos. Jollien exalta que o hífen que separa a data de nascimento e morte numa lápide, representa a vida que deve ser vivida ao máximo. Ao invés de ser um muro de lamentações, o filme é uma celebração à vida.
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Ficha técnica:
Mentes Extraordinárias | Presque | 2021 | 92 min | França, Suíça | Direção: Bernard Campan, Alexandre Jollien | Roteiro: Bernard Campan, Helene Gremillon, Alexandre Jollien, Marine Autexier, Manuel Poirier | Elenco: Bernard Campan, Alexandre Jollien, Tiphaine Daviot, Nulie-Anne Roth, La Castou, Marie Benati, Marilyne Canto.
Distribuição: Califórnia Filmes.