Miss Marx é culto e rebelde como sua protagonista, a filha de Karl Marx.
Marx é punk
Ao assistir Miss Marx, o espectador se surpreende com inesperados trechos que quebram com rebeldia o seu estilo de cinema predominantemente clássico. Os créditos iniciais já indicam essa possibilidade, com as letras em movimento acompanhadas por uma raivosa canção punk rock.
Esse estilo de música ainda voltará às telas em outros momentos do filme, quebrando a expectativa. Por exemplo, durante uma montagem com fotos de manifestações, ouvimos uma versão punk de “L’Internationale”, hino dos socialistas na época da estória, o final do século 19, tocada pelo Downtown Boys.
Depois, o punk retorna de maneira surreal na cena em que a personagem principal Eleanor Marx canta e dança uma música que nem existia no seu tempo. Dessa forma, o filme expressa a reação dela diante do relacionamento infeliz com seu companheiro Edward Aveling, que esbanja dinheiro e a trai.
E a diretora italiana Susanna Nicchiarelli, conhecida por Nico, 1988 (2017), não recorre a esse recurso gratuitamente. Afinal, Miss Marx reflete a personalidade da personagem título. Diferente das duas outras irmãs, a caçula Eleanor não visa apenas uma vida típica da mulher casada da época.
Filha de peixe…
Nesse sentido, ela estuda os conhecimentos do pai, Karl Marx, viaja para os EUA bem como testemunha a exploração dos trabalhadores no capitalismo selvagem. Culta, traduz obras de escritores como Henrik Ibsen, e igualmente, escreve textos defendendo os operários e as mulheres.
Essas teorias de Eleanor são apresentadas no filme de formas diferentes. Assim, reproduzidas praticamente em sua literalidade, invadem a estória com o mesmo impacto das músicas punk. Primeiro, Eleanor as declara olhando diretamente para a câmera, depois se movimentando no meio das pessoas como se pensasse em voz alta e, também, discursando para as mulheres londrinas.
De fato, raras vezes um filme consegue refletir em seu contexto estilístico a personalidade de seu personagem principal. Um bom exemplo recente dessa sintonia vimos em Rocketman (2019), retrato tão espetaculoso quanto o biografado Elton John. Da mesma forma, Miss Marx consegue essa proeza também.
O que diz a diretora Susanna Nicchiarelli
Enfim, a própria diretora declara sobre essa dicotomia da personagem (que se traduz no estilo clássico x moderno do filme): “Como acontece com pessoas reais, os personagens que não foram inventados por outra pessoa, aqueles que verdadeiramente viveram e morreram, nunca são tão coerentes quanto personagens ficcionais. Aos meus olhos, Eleanor incorpora as contradições entre razão e sentimento, corpo e alma, emoções e controle, romantismo e positivismo, feminilidade e masculinidade.”, e completa: “Então, eu tentei retratar essas contradições em cada aspecto desse filme.”
Obs: tivemos acesso a esse filme na cabine para a imprensa da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Ficha técnica:
Miss Marx | 2020 | Itália/Bélgica, 108 min. Dir/Rot: Susanna Nicchiarelli. Elenco: Romola Garai, Patrick Kennedy, John Gordon Sinclair, Felicity Montagu, Karina Fernandez, Oliver Chris, Philip Gröning.