Mortalmente Perigosa é um intenso film noir dirigido com o apuro estilístico de Joseph H. Lewis e que conta com uma femme fatale terrivelmente perversa, personagem criada pelos roteiristas MacKinlay Kantor e Dalton Trumbo.
A direção de Joseph H. Lewis
Durante sua carreira, o diretor Joseph H. Lewis (1907-2000) foi considerado um maneirista, ou seja, ele privilegiava o estilo acima do conteúdo em seus filmes. De fato, essa característica fica evidente em Mortalmente Perigosa, talvez seu melhor filme. Se o ritmo desse longa é intenso, isso se deve à direção. Nesse sentido, ele aproveita com habilidade os vários cenários do roteiro para movimentar a estória sem engrossar o orçamento ou estender a duração desse longa-metragem.
Do mesmo modo, ele utiliza várias sequências de montagens que incluem planos curtos sem diálogos, a fim de, visualmente, contar a narrativa em poucos segundos. Por exemplo, esse recurso é empregado para relatar a lua-de-mel do casal central, bem como sua sucessão de assaltos.
Para encher os olhos
Além disso, outros momentos abrilhantam o filme, enchendo os olhos dos cinéfilos. Logo de início, temos a cena em que o protagonista Bart Tare, ainda menino, quebra uma vitrine e rouba uma arma. Já no início, o primeiro plano é genial, posicionando a câmera inusitadamente dentro da loja, como se fosse uma vítima indefesa vendo o seu algoz se aproximar com uma pedra na mão. Em seguida, o menino sai correndo com a arma e escorrega em uma poça de água, sendo capturado e levado a julgamento.
Igualmente inesquecível é o duelo de habilidade de tiro ao alvo, performado entre Bart e Annie Laurie Starr, a femme fatale, que se apresenta em uma feira itinerante. Um pouco antes, essa sensual personagem seduz Bart, e, também o público, pelo posicionamento da câmera, que a filma de costas, em roupas justíssimas, atirando nos alvos que estão ao fundo do palco. Ao mesmo tempo, o diretor Joseph H. Lewis faz ótimo uso da profundidade de campo, o que lhe permite manter a câmera fixa.
Mais destaques
De outra maneira, Lewis prova seu talento visual em expressar sentimentos através de imagens. Primeiro, quando o dono do espetáculo circense se vê no espelho quebrado por um tiro de Bart, tomando consciência que seu domínio sobre Annie se rompeu. Depois, outro exemplo é o momento de diferenças vivido pelo par de protagonistas. Nesse trecho, enquanto Bart sofre de remorsos e Anne tenta convencê-lo a seguir o caminho do crime, os dois estão em lados opostos na tela, separados por um pilar. Então, quando se reconciliam, Anne se move para o lado de Bart, eliminando, assim, essa barreira que os divide.
Além disso, a cena final é carregada de suspense. A fim de atingir esse resultado, Lewis encheu o cenário, que se passa ao lado de um rio de madrugada, com névoas. Dessa forma, os personagens principais ficam à espreita, enquanto ouvem vozes, mas não conseguem ver nada. Finalmente, o desfecho surpresa funciona justamente por esse clima de mistério.
Por fim, tornou-se famosa a cena do roubo do banco. Filmado em um plano sequência com a câmera posicionada no banco de trás do carro do casal criminoso, coloca o espectador na pele desses bandidos. Além de criar tensão, essa solução é genial também para filmar rapidamente e com poucos gastos.
O roteiro é de autoria de MacKinlay Kantor, escritor que fez antes Os Melhores Anos de Nossa Vida, que gerou um filme em 1946, juntamente com Dalton Trumbo, que assinou com o nome fictício Millard Kaufman, pois estava na lista negra de atividades comunistas. Como resultado da parceria, criaram um precursor de Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (1967).
A história
Na estória de Mortalmente Perigosa, Bart sai do reformatório, para onde foi enviado depois de roubar uma arma de uma loja. Em seguida, conhece e se apaixona por uma das atrações de uma feira itinerante, Annie Laurie Starr, igualmente hábil com revólveres. Porém, enquanto Bart é incapaz de ferir qualquer ser vivo com sua arma, Annie deseja aproveitar seu talento para praticar roubos. Logo, ela consegue convencer o rapaz e se tornam temidos bandidos, condenados a viver em fuga.
Por fim, a direção estilosa de Joseph H. Lewis, juntamente com o instigante roteiro e a interpretação inesquecível de Peggy Cummins como a femme fatale resulta num filme nascido para ser cult. Como resultado de tudo isso, Mortalmente Perigosa é irresistivelmente inesquecível.
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Ficha técnica:
Mortalmente Perigosa (Gun Crazy) 1950. EUA. 87 min. Direção: Joseph H. Lewis. Roteiro: MacKinlay Kantor, Dalton Trumbo. Elenco: Peggy Cummins, John Dall, Berry Kroeger, Morris Carnovsky, Anabel Shaw, Harry Lewis, Nedrick Young, Trevor Bardette, Russ Tamblyn.