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Na Água (filme)
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Na Água | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

Claude Chabrol nos anos 1960, Rainer Werner Fassbinder nos anos 1970, Hong Sang-soo nos anos 2010 e 2020. Cineastas prolíficos costumam causar interjeições por fazer com que o ato de filmar pareça fácil, por vezes corriqueiro. Ninguém supera Fassbinder e a marca de 7 longas realizados em 1970. Mas o feito de Hong Sang-soo, com média de quase dois longas por ano, é admirável, ainda mais quando percebemos que os menos fortes entre seus filmes superam 80% do que é produzido no cinema contemporâneo.

Em Na Água (Mul-An-E-Seo, 2023), uma das duas atrações dirigidas por ele nesta 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Hong Sang-soo comete a ousadia de fazer um longa com cerca de uma hora de duração quase todo sem foco. Contra a febre da imagem mais nítida, a cinefilia dos 1080p, quando não do 4K como qualidade mínima para se ver qualquer filme, Hong estabelece uma imagem suja, impressionista, em diálogo com A Estrela do Mar (L’étoile de mer, 1928), curta de Man Ray que a Mostra exibiu em uma sessão bem interessante.

Na trama, algo bem comum em seu cinema: um cineasta (ou aspirante a cineasta), sua atriz, seu operador de câmera (que também foi cineasta), amizades novas e antigas, reencontros, comidas e bebidas na mesa, espaço para o desconcertante. Estão presentes também os planos longos com a câmera estática ou quase, os zooms (embora mais contidos e esporádicos), os templos (mesmo distantes), o mar.

O diretor parece uma pessoa melancólica, sem o caráter mais boêmio falastrão de outros diretores retratados por ele. Em uma cena, o operador diz que ele costumava ser tímido no colégio, e por isso estranha sua relativa proximidade com a atriz. Na verdade, é um ator que empenha suas próprias economias para estrear na direção com um curta-metragem. Segundo ele, o que o move é a curiosidade. Mas essa curiosidade não o afasta da melancolia.

Hong está triste, por isso seus olhos estão marejados. Olhos marejados enxergam um borrão de cores e luzes que não desfazem um estado de espírito, mas revelam um caminho incerto, talvez uma aventura em que não se sabe ao certo o que irá acontecer. Nós, talvez, tenhamos alguma dor de cabeça com esse modo de traduzir um sentimento.

Acompanha, por vezes, uma belíssima melodia tocada ao violão, gravação lo-fi, aparentemente vinda de um smartphone colocado perto do microfone da câmera, bem de acordo com o visual borrado e dominado pelo azul. É tanto o azul do mar, como dos blues, da tristeza. O desfocado aumenta e diminui ao sabor de novas cenas, sem que fique claro o porquê de cada escolha. Não há ligação aparente com o estado de espírito do personagem. Além da tristeza, há o não saber o que filmar, os “pensamentos nublados” que afligem o estreante.

Em uma cena logo no início, uma das poucas com foco bem nítido, os três amigos estão comendo pizza, e o cineasta pega uma tesoura para cortar um pedaço. Lembra Cobra (1986), o filme em que um Stallone fanfarrão corta pizza com tesoura, antes de apontar com o controle remoto para a TV como se estivesse segurando uma arma. Citação? O cinema de Hong Sang-soo é tão imprevisível dentro de suas várias repetições que não é possível saber. E não importa saber. Viva o inusitado.

Num outro momento, este, como quase todos os demais, desfocado, o cineasta estreante percebe uma mulher limpando o lixo entre as rochas e vai falar com ela. Diz que ela é ótima por fazer isso de modo voluntário. Ela responde que não o faz para ser elogiada, mas agradece. Essa mulher vai inspirar o tema do curta. Mesmo que não haja mais nada, estará tudo nessa descoberta. Após essa cena, vemos o diretor genuinamente alegre pela primeira vez.

O cinema de Hong Sang-soo é feito também desses encontros, das descobertas de pessoas ótimas, das surpresas que a observação e as conversas podem nos dar. Surpresas que não anulam a crueldade do mundo e a vontade de sumir por nunca ter descoberto o amor.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Na Água | Mul-An-E-Seo / In Water | 2023 | 61 min. | Coreia do Sul | Direção e roteiro: Hong Sang-soo | Elenco: Shin Seokho, Ha Seongguk, Kim Seungyun.

Onde assistir:
Na Água (filme)
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