Nas Águas do Rio é o penúltimo filme do famoso ator e comediante Will Rogers. Quem o conduz nessa sua aventura crepuscular é John Ford. Este diretor, por sua vez, estava prestes a pavimentar uma carreira repleta de obras-primas.
Rogers vive o personagem principal John Pearly, um trambiqueiro de bom coração nos anos 1890. Seu mais recente triunfo é um xarope medicinal à base de whisky. Ele investe em um barco a vapor que pretende reformar e tocar junto com seu sobrinho Duke. Mas, este está apaixonado por Fleety Belle, uma garota que mora nos pântanos. E Duke acaba de matar um homem.
Como ele matou em legítima defesa, seu tio John o convence a se entregar para a polícia, pois tem certeza de que juiz o absolverá. Porém, não é o que acontece, e o pobre Duke é condenado à morte. Para salvá-lo, John e Fleety Belle entram numa corrida de barcos a vapor pelo rio Mississipi. Se vencerem, além do rico prêmio em dinheiro, terão a chance de falar com o governador e pedir que ele absolva Duke. Para isso, conduzem uma testemunha do incidente que pode confirmar a inocência do rapaz.
Personagens
A primeira parte de Nas Águas do Rio investe exclusivamente na comédia, conduzida por Will Rogers. Falador e sagaz, ele conduz as piadas sem nunca ser o alvo delas. Prefere direcionar o humor para os personagens secundários, como o vivido pelo peculiar ator negro Stepin Fetchit, que aparece mais tarde na trama com sua voz extremamente aguda. E, também, o bêbado interpretado por Francis Ford, irmão do diretor geralmente escalado nesses papéis.
O filme muda para o drama quando surge em cena Duke (John Mcguire), angustiado por ter matado um homem. Sua situação se agrava ainda mais, e toda vez que esse personagem aparece, há certa tristeza no ar. Contudo, ele fica de lado na história, respeitando todos os passos do processo penal que ele precisa seguir. Na verdade, esse personagem passivo e certinho demais desperta pouco interesse.
Já sua namorada Fleety Belle, pelo contrário, chega a roubar os holofotes de John Pearly. Interpretada pela encantadora Anne Shirley, essa personagem é pulsante como as caldeiras dos barcos. Sozinha com o tio John, ela enfrenta seu violento pai e outros parentes que querem levá-la de volta ao pântano. Em pouco tempo, deixa de ser um bicho do mato para se impor com dignidade nesse ambiente exclusivamente machista. Assim, pega no leme do barco para conduzí-lo com habilidade durante a corrida. De fato, a personagem é um achado, e um dos charmes dessa divertida aventura fluvial.
Mais lenha na caldeira
Mas, em alguns trechos o ritmo do filme se torna moroso. John Ford tenta evitar isso, e consegue no momento do julgamento, que ele não filma, preferindo a elipse para apresentar o resultado da sentença quando o tribunal já está vazio. Aliás, uma solução genial. No entanto, a subtrama do museu com figuras históricas não empolga, e deixa o filme à deriva em partes de seu terço intermediário.
Porém, a trama mostra que tem mais lenha para queimar, e a sequência toda da corrida é emocionante. Além disso, muito engraçada. Por exemplo, é hilariante a cena em que o tio John laça o pregador religioso para dentro do barco.
Nas Águas do Rio é uma aventura leve e despretensiosa, talvez um dos últimos de John Ford com esse descomprometimento.
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Ficha técnica:
Nas Águas do Rio | Steamboat Round the Bend | 1935 | EUA | 82 min | Direção: John Ford | Roteiro: Dudley Nichols, Lamar Trotti | Elenco: Will Rogers, Anne Shirley, Irvin S. Cobb, Eugene Pallette, John McGuire, Berton Churchill, Francis Ford, Roger Imhof, Raymond Hatton, Hobart Bosworth, Stepin Fetchit.