A nostalgia tem seus perigos, alerta o longa-metragem do diretor Mario Martone.
Felice Lasco (Perfrancesco Favino) retorna à sua cidade natal, Nápolis, após viver 40 anos em outros países. Reencontra a sua mãe, já bem idosa, mas também uma cidade que parece ter parado no tempo. O seu bairro, Rione Sanità, ainda mantém as ruas estreitas e as velhas construções. A vista do quarto de hotel de Felice revela que não há grandes edifícios no local. As suas catacumbas são como personagens do filme, e o protagonista remexe as ossadas ali encontradas como se desenterrasse, também, seu passado obscuro.
A nostalgia que entorpece
Mas a preservação do bairro leva Felice à falsa impressão de que nada mudou. Por isso, compra uma moto e sai pilotando-a pelas trilhas que costumava percorrer, numa bela montagem que intercala cenas da sua lembrança (em formato mais quadrado), com outras atuais (em widescreen). Na época, sempre andava com seu melhor amigo Oreste Spasiano (Tommaso Ragno).
Contudo, muita coisa está diferente, principalmente em relação à violência. O ataque de uma gangue violenta, logo nos primeiros dias de Felice na cidade, já deveria servir de alerta. Mas nem mesmo a aproximação do Padre Luigi (Francesco Di Leva) abre os olhos do protagonista. Ele insiste em reencontrar o antigo amigo, embora o padre avise que Oreste se tornou o bandido mais perigoso do bairro. A destruição daquela moto que Felice adquiriu emblematicamente sinaliza o perigo da sua nostalgia.
Apesar de tudo isso, Felice quer recuperar as décadas que passou longe do local onde nasceu e foi criado. O filme, então, entra num perigoso esquema dialético entre o bem representado pelo Padre Luigi e o mal encarnado em Oreste. A trama, com isso, corre o risco de cair na batida disputa pela alma de Felice. Para o bem do filme, a conclusão, previsível ou não, quebra esse paradigma. Prevalece, então, uma ideia menos usual no cinema. Aqui, a nostalgia não representa algo benéfico. Curiosamente, o tema é o mesmo de outra crítica que escrevi hoje, a do longa nacional Pérola (2022), que o leva a uma outra direção.
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Ficha técnica:
Nostalgia | 2022 | 117 min. | Itália | Direção: Mario Martone | Roteiro: Mario Martone, Ippolita di Majo | Elenco: Pierfrancesco Favino, Francesco Di Leva, Tommaso Ragno, Aurora Quattrocchi, Sofia Essaidi, Nello Mascia, Emanuele Palumbo, Artem, Salvatore Striano, Virginia Apicella.
Distribuição: Pandora Filmes.
Trailer aqui.