“O Batedor de Carteiras” é um dos maiores filmes da história do cinema, por três qualidades marcantes. Aplica o neorrealismo italiano na produção francesa, utiliza o método bressoniano de direção de atores e enfatiza a montagem eisensteiniana com recortes de detalhes.
O neorrealismo inspira a essência da estória de “O Batedor de Carteiras”. Ou seja, o retrato duro de um rapaz desempregado que começa a furtar carteiras para seu sustento. A narração logo no início conta que o filme não é um romance policial. De fato, se aproxima mais de um documentário do que de um estiloso film noir. Michel, o personagem do título, escreve o que narra em off, mas não sabemos se o texto é uma carta, um diário, ou uma confissão.
À medida que pratica os furtos, o que era necessidade vira obsessão em aprimorar suas técnicas. Tem medo de ser preso, mas nenhum remorso, nenhuma consciência do que é certo ou errado. Michel não vê problema nem no fato de evitar visitar sua mãe idosa e doente, apesar dos apelos da vizinha dela, Jeanne. Da mesma forma, ignora uma possibilidade de um romance com a bela moça, e despreza seu amigo Jacques. Porém, progride em seus delitos, e passa a integrar uma quadrilha de batedores de carteira. Até que prendem seus comparsas e Michel foge para outros países.
Ao retornar, começa a trabalhar honestamente, mas não resiste a uma isca plantada pela polícia e acaba pego em flagrante. Na prisão, recebe a visita de Jeanne e, enfim, descobre o amor. Porém, sua redenção é tardia, ele já está atrás das grades. O final amargo mantém a inspiração neorrealista.
Direção
O método de direção de atores de Robert Bresson, já evidenciado em suas obras anteriores, se harmoniza perfeitamente com o movimento neorrealista italiano. O diretor prefere a não atuação, e emprega não atores, como Martin LaSalle e Marika Green, em “O Batedor de Carteiras”. O naturalismo de todo o elenco sublinha o tom semidocumental do filme. O Michel vivido por LaSalle mantém uma expressão passiva, de um homem que começa a furtar por necessidade, e continua por obsessão, nunca por uma decisão pensada em agir dessa forma. No caso da sueca Marika Green, naturalmente belíssima, sua Jeanne participa da trama desvinculada de qualquer intenção de sedução ou de glamour. Intervém na vida de Michel para ajudar sua amiga, a mãe dele, e acaba despertando o amor dele espontaneamente.
O primeiro golpe de Michel, quando ele furta dinheiro da bolsa de uma mulher, em um hipódromo, é filmado com o uso inteligente do recorte da mão do ladrão, enquadrado em detalhe, alternando esse corte com um close-up do rosto do rapaz. A expressão neutra de Martin LaSalle funciona perfeitamente para esse jogo de associação, qualquer outra imagem justaposta ao seu rosto poderia resultar em diferente sentido de sua expressão. No caso, é o de receio de que o peguem. Posteriormente, Robert Bresson utiliza vários recortes das mãos dos membros da quadrilha repassando o material furtado de um para o outro, a fim de dificultar serem pegos. Uma edição ágil que mostra a engenhosidade dos golpes dos ladrões.
Assim, por essas três qualidades, “O Batedor de Carteiras” ainda surpreende o espectador, que, sem perceber, se envolve na estória de Michel. Não para torcer para que ele não seja apanhado em seus golpes, mas para que ele desista dessa vida criminosa.
Ficha técnica:
O Batedor de Carteiras (Pickpocket, 1959) França, 76 min. Dir/Rot: Robert Bresson. Elenco: Martin LaSalle, Marika Green, Jean Pélégri, Dolly Scal, Pierre Leymarie, Kassagi, Pierre Étaix, César Cattegno.
Assista: entrevista com Robert Bresson