O Cavalo de Ferro é um dos grandes épicos de John Ford na sua extensa fase muda. O seu tema é ambicioso: contar a história da construção da primeira ferrovia transcontinental. Ou seja, uma estra de ferro para ligar os Estados Unidos da costa leste até a oeste. E isso na metade do século 19.
Para tornar a narrativa interessante para o espectador, o filme acompanha a jornada de Dave Brandon, filho de um entusiasta da ferrovia transcontinental. Quando garoto, Dave testemunha o assassinato de seu pai por um homem branco renegado, que vivia com os índios. Esse “assassino com dois dedos na mão” era um proprietário de terra cujos negócios dependiam da ferrovia que passava em seus domínios. Por isso, não queria que ninguém descobrisse uma passagem mais curta que desviaria a rota. E Dave e seu pai haviam descoberto esse atalho.
Mais tarde, já adulto, Dave reencontra o assassino de seu pai, bem como a antiga amiga de infância, Miriam Marsh, cujo pai se tornou o principal construtor da ferrovia transcontinental. Então, novamente Dave vê a passagem mais curta interferir em sua vida.
A produção de O Cavalo de Ferro é grandiosa. Filmado majoritariamente em locações, inclui gigantescas locomotivas de verdade e vários extras reproduzindo a pesada construção de uma estrada de ferro. Além disso, a produção construiu muitas cidadezinhas que progrediam ao redor das estações de trem. Até mesmo uma quantidade imensa de gado faz parte do filme, revelando as criações transportadas para servir de alimento para os trabalhadores.
Subtemas e características de John Ford
Juntamente com o tema central da epopeia americana, comum nas obras de John Ford, outros subtemas e características do diretor estão em O Cavalo de Ferro. Por exemplo, a moral elevada dos protagonistas Dave e Miriam, cuja retidão suplanta os adversários desonestos que eles encontram pela frente. Neste sentido, se destaca o episódio em que Miriam convence os numerosos trabalhadores a abandonarem a greve pelo atraso nos salários. Ao contrário do chefe que tenta vencê-los pela força, o discurso de Miriam recorre ao espírito desbravador dos americanos e eles voltam ao trabalho.
Em paralelo a essa dupla de protagonistas, o filme também abre espaço para algumas cenas com Abraham Lincoln, símbolo maior dessa moral elevada e justa. Na estória, ele é amigo do pai de Miriam Marsh, e a autorização da construção da ferrovia depende da aprovação de Lincoln, como presidente do país.
Em adição, O Cavalo de Ferro retrata a multinacionalidade dos trabalhadores, e leva para a tela a participação dos imigrantes europeus, principalmente irlandeses e italianos, na construção da história dos EUA. Outro aspecto curioso, é o caráter transitório das cidades construídas ao redor das estações de trem. Quando a transcontinental altera a rota, toda a população da cidade da estação que está sendo abandonada rapidamente leva tudo para o novo vilarejo que nasce na nova parada de trem.
Além da aventura e do romance centrados no protagonista Dave, o filme também tem trechos cômicos. Por exemplo, há um trio de soldados trapalhões que ganham a alcunha de “os três mosqueteiros”. Vemos também uma piada recorrente nos filmes de John Ford, em que o dono do bar retira o espelho caro de seu estabelecimento quando percebe que se iniciará uma luta ou um duelo no local. Encontramos essa anedota está também em Depois do Vendaval, de 1952.
Heroísmo
O heroísmo típico de John Ford, dos homens comuns no cumprimento de suas funções, está também presente aqui. Como afirma Scott Eyman, no livro “John Ford – A Filmografia Completa”, editado por Paul Duncan e publicado pela Taschen:
“O Cavalo de Ferro introduz o elemento épico na obra de John Ford – amplos espaços abertos e personagens que se tornavam heróis devido ao que tinham que fazer face a um ataque ou em relação a elementos naturais hostis (…)”.
Assim, ao contar a saga da construção da primeira via ferroviária transcontinental pelas companhias Union Pacific Railroad e Central Pacific Railroad, John Ford inaugura o seu cinema homérico que leva para as telas, de forma épica, a história dos Estados Unidos.
