O Demônio dos Mares (The Black Demon) compensa o baixo orçamento com um consistente roteiro ambientalista.
Não é de hoje que o cinema relaciona a origem de algum monstro gigante a um desastre ecológico provocado pela humanidade. Isso vem desde aquele primeiro filme do Godzilla (Gojira, 1954), criatura que resulta de testes de armas nucleares. Neste O Demônio dos Mares, o megalodonte surge como uma resposta dos deuses locais contra os desastres ambientais provocados por uma plataforma de petróleo. Aqui, o sobrenatural não está apenas no título, mas também como essência da trama. Afinal, não há outra explicação para o surgimento desse tubarão gigante (seguindo a linha de Megatubarão [The Meg, 2018]) e, ademais, sem esse aspecto fantástico o filme não teria tanta graça.
O sobrenatural está espalhado por toda a parte. Desde o altar na rua da decadente cidade litorânea, às vozes sussurrantes que um dos personagens ouve, aos bonecos artesanais em barro. E essa ligação se mantém até a conclusão pois, como citado durante o enredo, os ataques só cessarão mediante um sacrifício. Mas, não espere muito terror na tela. As imagens assustadoras se restringem ao mar repleto de partes de cadáveres e uma vítima cortada ao meio. Aliás, dose similar de terror encontramos no filme anterior do diretor do filme, Adrian Grunberg, Rambo: Até o Fim (Rambo: Last Blood, 2019).
Direção e roteiro
Grunberg agora lidou com um orçamento menor. Por isso, vemos poucos ataques do megalodonte, bem menos do que em qualquer outro filme de tubarão. É uma forma inteligente de evitar escancarar a falta de recursos e deixar o público insatisfeito com os efeitos visuais e especiais. O primeiro ataque traz até um ingrediente novo: a câmera subjetiva do predador está dentro da boca dele, e podemos ver os seus dentes nas bordas da tela! Mais tarde, temos a oportunidade de ver a dimensão gigantesca desse megalodonte, quando ele emerge e salta para abocanhar um barco inteiro. Porém, esse gigantismo deixa um problema que o filme não consegue resolver nas demais cenas. Ou seja, o bicho parece tão enorme que poderia destruir a plataforma de petróleo com facilidade. A solução, meia-boca, foi reduzir suas dimensões nas futuras aparições.
Mas, se há poucos ataques de tubarão, como sustentar o restante do filme? Pois é aí que O Demônio dos Mares surpreende. Dentro do subgênero shark movie, a trama costuma ficar em segundo plano. Porém, aqui ela está em destaque. A intenção de levantar a bandeira ambientalista deve ter motivado Carlos Cisco a criar essa história, depois roteirizada por Boise Esquerra. Assim, vemos crescer a linha narrativa dos atos do personagem Paul (Josh Lucas), um executivo da companhia petroleira chamado para inspecionar a plataforma. Seu caráter egoísta vem à tona, desde o momento em que deixa a família num boteco vazio na praia para fazer a visita a serviço no mar. Mais tarde, outras decisões condenáveis aparecerão, sendo ele o fantoche responsável pelos desastres ambientais. Acertadamente, o enredo se encerra com um mea culpa no estilo oriental.
Nixon Oil
Então, não desista do filme mesmo que Paul e sua família pareçam bem irritantes no início da história. As briguinhas entre a filha adolescente e o caçula são de doer. Salva-se apenas a mãe, uma personagem íntegra que, não à toa, é nativa de um dos países da região, o Caribe. Não ficam dúvidas, com isso, de que os realizadores apontam o dedo para os Estados Unidos. Daí a escolha do nome da companhia petroleira: Nixon Oil. Enfim, mais uma prova da sagacidade do roteiro desse filme de tubarão acima da média.
Ficha técnica:
O Demônio dos Mares | The Black Demon | 2023 | 100 min | México, EUA, República Dominicana | Direção: Adrian Grunberg | Roteiro: Boise Esquerra | Elenco: Josh Lucas, Fernanda Urrejola, Julio Cedillo, Venus Ariel, Carlos Solórzano. Raúl Méndez.
Distribuição: Diamond Films.