O longa O Estranho, de Flora Dias e Juruna Mallon, mistura ficção e documentário para ressignificar o Aeroporto Internacional de Guarulhos e seus arredores. Se hoje o local representa o maior ponto de entrada e saída do país, o filme escava além do óbvio e descobre o que ali permanece, o povo originário na reserva indígena, o sítio arqueológico, a mata e os rios, e os moradores cujas casas foram desapropriadas e agora vivem nos arredores e trabalham no próprio aeroporto.
A protagonista
Alê (Larissa Siqueira) é uma dessas antigas moradoras e atual funcionária no aeroporto. Ela assume o papel de protagonista neste filme que não possui uma narrativa tal como tradicionalmente definida. No lugar de uma história, o enredo constitui-se de um retrato do cotidiano dessa personagem, representando todas as outras pessoas com situação semelhante. Alê simboliza, também, a permanência do que estava e ainda continua lá, em contraste com o vai e vem dos passageiros e da própria namorada, Silvia (Patricia Saravy), manicure que decide se mudar de Guarulhos.
Uma particularidade da protagonista chama atenção especial. Em cenas recorrentes, Alê mexe na bagagem dos passageiros. Na primeira vez, coloca uma pedra dentro de uma das malas; nas outras, retira delas coisas sem valor monetário, como folhas secas dentro de um livro. Não há explicações para esse comportamento, mas talvez derive do sentimento de que as regras não se apliquem a ela, que existia no local antes de ser expulsa pelo empreendimento.
Essa constatação se relaciona com o seu interesse em descobrir mais sobre a arqueologia do local. Na verdade, Alê já conhece a região como poucos, pois explorava sua mata, suas trilhas e seus rios na infância. E, assim, o filme também coloca em cena minerais encontrados ali e indígenas que moram agora numa reserva. O longa, então, deixa a ficção de lado e se assume como documentário. Entrevista habitantes da reserva (e registra um de seus rituais), moradores antigos e um grupo de estudantes, entre outros. A própria Alê também é uma das entrevistadas, afinando o limite entre a ficção e o documentário.
Naturalismo que sensibiliza
Filmado exclusivamente em locações, externas e internas, O Estranho possui como característica intrínseca o naturalismo. Em alguns momentos, lembra o cinema português por não contar com uma narrativa e apenas retratar o cotidiano da forma mais realista possível. Além disso, também por possuir uma fotografia caprichada, mesmo rodado quase totalmente à luz o dia. Os enquadramentos parecem sempre previamente planejados, inclusive nos planos gerais que dispensam o alinhamento perfeito. E, por algum motivo, há muitos planos e contraplanos filmando o perfil dos personagens pelas costas.
Enfim, a dupla Flora Dias e Juruna Mallon obtém um retrato verdadeiro, construído com conversas e situações rotineiras, entrevistas reais, entre outros registros, além de muitas divagações. Com isso, O Estranho educa, informa e sensibiliza o espectador para que este encare com outros olhos o aeroporto gigantesco erguido para prestar serviços.
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Ficha técnica:
O Estranho | 2023 | 105 min | Brasil, França | Direção: Flora Dias, Juruna Mallon | Roteiro: Flora Dias, Juruna Mallon | Elenco: Larissa Siqueira, Antonia Franco, Rômulo Braga, Patricia Saravy, Thiago Calixto, Laysa Costa.
Distribuição: Embaúba Filmes.
Assista ao trailer aqui.