O Estranho Sem Nome (High Plains Drifter, 1973) é um dos grandes faroestes que Clint Eastwood dirigiu. Talvez aquele que mais mostra a influência de Sergio Leone, adquirida nos três filmes que realizaram juntos, conhecida por alguns como “Trilogia do Homem sem Nome”. Traz muita brutalidade e violência, como víamos nos spaghetti westerns em geral. Além disso, o filme absorve também o pessimismo da época, aproximando o diretor Eastwood dos cineastas da Nova Hollywood. Nesse sentido, traz uma visão niilista. A comunidade, aqui, ao contrário da abordagem de John Ford, é tida como interesseira e traiçoeira.
A história se passa na minúscula cidade de Lago, à beira do Mono Lake, com suas águas salinas. Os flashbacks revelam que a população local emboscou o xerife da época, Jim Duncan, que descobrira que as minas de ouro que davam dinheiro para a cidade pertenciam ao governo. Então, antes que ele avisasse as autoridades, os moradores contrataram três pistoleiros para matá-lo. No entanto, eles não previam que o assassinato fosse perpetuado de uma forma tão sádica. O xerife foi açoitado com chicote até a morte, e os moradores nada fizeram para impedir.
Surge o estranho vingador
Chega à cidade um estranho, que surge no filme de longe, sua imagem distorcida pelo calor que emana do solo desértico. A música arrepiante (de Dee Barton) parece de filme de terror (e se tornará ainda mais assustadora na parte final). O roteiro não determina se esse estranho é o fantasma de Jim Duncan, ou um amigo ou parente seu. A discussão fica em aberto, pois os flashbacks mostram outra que o xerife não é esse estranho, mas, por outro lado, o diálogo final indica que ele é um fantasma.
Não importa, o filme funciona bem nas duas chaves, então, a definição fica por conta das crenças de cada espectador. De qualquer forma, o essencial é que ele entra nessa cidade para se vingar dessa morte horrível. Deixa-se contratar como protetor da comunidade contra os três pistoleiros que estão prestes a retornar à cidade para uma desforra por terem sido presos por causa de seus moradores.
Mas, esse estranho está longe de ser um herói. A sua contratação só acontece porque ele assassina os pistoleiros que a comunidade já havia alugado. Logo depois, estupra uma prostituta que o provoca. Quando lhe oferecem “tudo o que quiser da cidade”, ele se aproveita da situação, no único momento em que há um pouco de humor no filme. De fato, ele não pretende ser nem um pouco agradável com essas pessoas, pois, a vingança deve recair sobre elas também, que não se mexeram para impedir o covarde assassinato do xerife Jim Duncan. Que, aliás, foi enterrado sem seu nome na lápide. “Como um indigente”, diz a personagem Sarah Belding (Verna Bloom), a única realmente decente na cidade.
Terror no faroeste
Na parte final, o terror se mistura com o faroeste. Sob as ordens do estranho, os moradores pintam todas as casas e lojas de vermelho. A placa da cidade agora ostenta a palavra “inferno” sobre o nome original. E, durante o confronto, chamas consomem a cidade. Depois de deixar os moradores sofrerem nas mãos dos bandidos, o estranho começa a atacar. Ataca de surpresa, como um serial killer. Sem aparecer na tela, mata enquanto está fora do quadro, ou na escuridão. A voz soturna de Eastwood, sussurrando as últimas palavras de Duncan, “Me ajudem!”, parece vir do além. No duelo derradeiro, o bandido está iluminado pelas chamas, enquanto o anti-herói está contra essa luz.
Ao final, se há um valor que essa trama sustenta, é a coragem, característica que falta à comunidade, e que sobra ao estranho e que possui o anão que o salva como fez a personagem de Grace Kelly em Matar ou Morrer (High Noon, 1952). Não deve ser à toa, pois nesse filme de Fred Zinnemann a comunidade também se acovarda e não ajuda o corajoso xerife (vivido por Gary Cooper) contra bandidos que querem vingança.
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Ficha técnica:
O Estranho Sem Nome | High Plains Drifter | 1973 | EUA | 105 min | Direção: Clint Eastwood | Roteiro: Ernest Tidyman, Dean Riesner | Elenco: Clint Eastwood, Verna Bloom, Marianna Hill, Mitchell Ryan, Jack Ging, Stefan Gierasch, Ted Hartley, Billy Curtis, Geoffrey Lewis, Scott Walker, Walter Barnes, Paul Brinegar, Richard Bull, Robert Donner, John Hillerman, Anthony James, William O’Connell.