Cinquenta anos após o seu lançamento, O Exorcista (The Exorcist) ainda traz lições para os filmes de terror. Foi o primeiro longa do diretor William Friedkin no gênero. E ele replica aqui o estilo impactante e compacto que deu certo no seu policial Operação França (The French Connection, 1971).
Isso não significa que O Exorcista seja um filme acelerado. Pelo contrário, leva mais de trinta minutos para o primeiro incidente sobrenatural aparecer na tela. E dentro dessa primeira parte consta uma longa sequência não diretamente relacionada com a trama. Nela, o Padre Merrin (Max von Sydow) faz buscas arqueológicas no norte do Iraque. Esse personagem só ingressará na narrativa principal na parte final do filme. Enquanto isso, o restante da meia hora inicial apresenta com calma a protagonista Chris MacNeil (Ellen Burstyn). Ela é uma atriz que está em Georgetown, em Washington, gravando um filme, junto com sua filha de doze anos, Regan (Linda Blair). Em paralelo, conhecemos também o Padre Karras (Jason Miller), que atua como psiquiatra para a Igreja Católica.
Cortes abruptos
O primeiro sinal de que algo estranho acontece na casa onde Chris está hospedada é o barulho que ela ouve no sótão. Além disso, na igreja ali perto, o padre encontra uma estátua profanada. Nesse ponto, já identificamos o recurso que William Friedkin utiliza reiteradamente neste filme na construção de seu filme de terror. A estátua profanada, uma imagem chocante, principalmente para os católicos, fica na tela por alguns poucos segundos. Imediatamente o diretor corta para a cena seguinte, que já está longe do “perigo”. Assim, Friedkin não permite que vejamos com clareza a estátua, para não percebermos todos os detalhes. E para que deixemos nossa imaginação completar o que não vemos.
Esse truque ele repete posteriormente em quase todas as aparições aterrorizantes. Principalmente em relação a Regan, que fica cada vez mais detonada por causa da possessão demoníaca. Quando sua imagem já fica mais tempo na tela, os cortes surgem após ela falar ou fazer algo chocante, como as muitas obscenidades provocadas pelo diabo em seu corpo. Como contraponto, o filme apresenta uma repetição interminável da oração dos dois padres (Karras e Merlin) ordenando o demônio a deixar o corpo em levitação da garota.
Tal recurso do corte abrupto deixou de ser prática comum nos filmes de terror. Pelo contrário, hoje é mais comum que os diretores do gênero insistam em provocar medo no público mostrando criaturas horríveis. Criadas via maquiagem, efeitos especiais ou visuais, elas permanecem na tela por um longo tempo. Então, por melhor que estas sejam, a mente do espectador se acostuma com o que está vendo, e o terror fica menos impactante.
O que você nunca viu
Além disso, Friedkin insere flashes quase instantâneos da face do demônio em algumas cenas. São brevíssimos – se nós piscarmos, nem os vemos. Mas o efeito é assustador, pois parece que a figura é criação da nossa mente. É como se o filme estivesse afetando nossos sentidos, ou se o diabo estivesse nos alcançando.
Junto com o recurso do corte abrupto, O Exorcista trabalha também a nossa empatia com a protagonista Chris. Daí o ritmo desacelerado em sua apresentação. Descrente de qualquer religião, ela custa a entender que os médicos nada podem fazer para curar a sua filha. Até certo ponto, quando o comportamento (e o visual) de Regan extrapola qualquer possibilidade de que seja algum problema neurológico ou psíquico. Então, para salvar a filha, ela aceita qualquer solução, atém mesmo recorrer ao exorcismo (ou a feitiçaria, como ela diz). No epílogo, ao aceitar o medalhão com imagem santa, parece que ela se transformou em uma pessoa crédula. Mas, isso acontece só na versão lançada em 2000, chamada de O Exorcista: A Versão Que Você Nunca Viu. Esta tem 2 horas e 12 minutos de duração, dez a mais que o original. No original, Chris apenas entrega o medalhão para o padre.
Além disso, esta versão de 2000 se diferencia por incluir o andar da aranha de Regan (“spider’s walk”, quando ela desce a escada de costas, apoiada nas suas mãos e pernas e vomita sangue no final), uma conversa entre os dois padres sentados à escada durante uma pausa no exorcismo, e a piada final entre o detetive e o padre.
Para sempre
Mas a versão original já era repleta de imagens inesquecíveis. Por exemplo, o jorro de vômito verde, a cabeça que vira ao contrário, a frase sexualizada com o crucifixo ferindo a genitália, e outros mais. A maioria delas ficam na tela por apenas poucos segundos, mas o corte abrupto de Friedkin serve como um instantâneo que fotografa esse terror e o guarda em nossas mentes… por cinquenta anos, e mais.
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Ficha técnica:
O Exorcista | The Exorcist | 1973 | EUA | 122 min | Direção: William Friedkin | Roteiro: William Peter Blatty | Elenco: Ellen Burstyn, Jason Miller, Max von Sydow, Linda Blair, Lee J. Cobb, Kitty Winn, Jack MacGowran, William O’Malley, Barton Heyman, Peter Masterson.