O Furacão comprova que John Ford já dirigiu disaster movies. Este filme é um dos muitos que o diretor realizou como encomenda de um estúdio – no caso, a The Samuel Goldwyn Company. Nesse mesmo ano, Ford rodara Queridinha do Vovô (Wee Willie Winkie), com a estrela-mirim Shirley Temple, e entre 1933 e 1935 três filmes com o astro Will Rogers, todos nesse esquema. Entre esses, O Furacão é provavelmente o mais autoral de todos.
A colonização francesa
A história se passa nos Mares do Sul, começando em uma pequena ilha onde um casal de jovens apaixonados nativos enfrenta obstáculos para vivenciar o seu amor. Parece que John Ford homenageia Tabu (1931), o último filme de F.W. Murnau, uma de suas influências. Porém, O Furacão não foca no naturalismo como fez Murnau. Conta com protagonistas evidentemente norte-americanos (Dorothy Lamour e Jon Hall) interpretando nativos, e filma grande parte das cenas em estúdio. A preocupação de Ford é outra, concentra-se no humanismo, tema marcante em sua obra.
O empecilho para que Marama (Lamour) e Terangi (Hall) sejam felizes resulta da colonização francesa nos Mares do Sul. Contratado por um transportador de cargas, Terangi viaja para Samoa, onde agride um francês que o insulta por racismo. A sua pena inicial de seis anos de prisão, que já era injusta, aumenta com as suas várias tentativas de fuga, alcançando mais de dez anos. Desesperado, acaba assassinando um guarda em sua derradeira escapada. Mas, o governador da sua pequena ilha natal, cegado pela possibilidade de exercer o seu domínio de colonizador, recusa-se a perdoar o rapaz dentro de sua jurisdição.
Vários personagens brancos que vivem na ilha defendem uma abordagem humanista a essa situação. Entre eles, o padre católico, o médico e o capitão do barco. Por outro lado, outros representam os vilões, como o carcereiro interpretado por John Carradine, e o citado governador (que terá um arco de redenção).
A fúria da natureza
No entanto, o que vem a se sobrepor à injustiça dos homens é a natureza – ou a justiça divina, possibilidade aberta pelos vários símbolos católicos no filme: o padre, a igreja, as imagens sacras). Com uma abordagem mais engenhosa do que se costuma ver em disaster movies, o fenômeno da natureza não age apenas para destruir os personagens odiosos e exaltar os de bom caráter. O efeito aqui é devastador: o furacão cria um tsunami que reduz a ilha a um pedaço de terra em ruínas. As ondas destroem a igreja, a casa do governador e não poupam os nativos. Desta vez, a natureza não tem o papel de julgador, não pune somente quem merece.
O humanismo, tão forte neste como em vários outros filmes de John Ford, lembra, e certamente influenciou, o diretor Akira Kurosawa. Isso fica muito evidente tendo O Furacão como referência. Afinal, o cineasta japonês sempre dava lições humanistas em seus filmes. E, reiteradamente utilizou a manifestação da natureza para representar sentimentos e marcar o clímax dramático. Como em Rashomon (1950), que se encerra sob uma chuva torrencial e, ainda, com um bebê como símbolo de esperança – tal como acontece neste filme de Ford.
Forma fordiana
O autorismo na forma está intenso em O Furacão. Ford carrega nas sombras expressionistas, principalmente, mas não somente, nas cenas do cárcere de Terangi – com destaque para o herói acorrentado a uma imensa roda e a fusão com o rosto de John Carradine aparecendo a cada chicotada que ele dá no rapaz.
Já numa perspectiva mais geral, Ford lança um modelo de como fazer um filme-catástrofe. Os efeitos especiais são magníficos, mesmo vistos aos olhos do público de hoje. Se, por um lado, há o uso de miniaturas (mas impressionantemente autênticas), há muitos atores ou dublês de fato mergulhados no maremoto que invade o litoral da ilha, o que os filmes atuais não fazem mais, substituindo essas cenas perigosas por criações de computação gráfica pouco convincentes. Neste filme, pode-se notar até uma grávida no meio do perigo, o que se tornaria clichê do gênero a partir dos anos 1970.
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Ficha técnica:
O Furacão | The Hurricane | 1937 | 104 min. | EUA | Direção: John Ford | Roteiro: Dudley Nichols | Elenco: Dorothy Lamour, Jon Hall, Mary Astor, C. Aubrey Smith, Thomas Mitchell, Raymond Massey, John Carradine, Jerome Cowan, Al Kikume, Kuulei De Clercq.