Desde 2006, o diretor, roteirista e ator Tyler Perry faz humor popular em dezenas de filmes com ou sem o seu personagem Madea. Da mesma forma, seu faro para agradar o seu público específico o levou a criar várias séries. Mas, há uns dez anos, sentiu a necessidade de explorar outros gêneros. Tentou o drama em De Tyler Perry: Relação em Risco (Temptation: Confessions of a Marriage Counselor, 2013). Também se arriscou no suspense, em Acrimônia – Ela Quer Vingança (Acrimony, 2018) e O Limite da Traição (A Fall From Grace, 2020). Porém, esses desvios nunca renderam bons filmes. No drama O Homem do Jazz (A Jazzman’s Blues), ele novamente falha.
Desta vez, pelo menos a motivação parece ser louvável. Afinal, Tyler Perry toca no tema da segregação racial no sul dos Estados Unidos, fazendo a sua parte como membro de sucesso dentro da comunidade artística afro-americana. Assim, o início de O Homem do Jazz mostra uma mulher negra exigindo do prefeito de Hopewell County, na Geórgia, que investigue um assassinato ocorrido 40 anos antes, em 1947. Ao ler as cartas que a senhora lhe entrega, começa a história do filme, em flashback.
Então, acompanhamos a história do jovem Bayou (Joshua Boone), de 17 anos, que se apaixona por uma das vizinhas, Leanne (Solea Pfeiffer), de 16. Um relacionamento impossível, pois a mãe dela a leva embora e depois ela se casa com um xerife de família abastada, que não percebe que as duas são negras. Bayou tem um caso com Leanne e, para salvar sua vida, foge para Chicago com seu irmão Willie Earl (Austin Scott) e seu empresário Ira (Ryan Eggold). Bayou se torna um cantor de jazz de sucesso, mas decide arriscar um retorno para Summerville, para ajudar a mãe, Hattie Mae (Amirah Vann) e levar Leanne com ele.
Trama artificial
Quando essa trama do passado se inicia, já detectamos problemas. A família de Bayou toca e canta um blues durante um churrasco, mas os coadjuvantes fazem caras e bocas como se estivessem em um filme musical. Esse artificialismo, um detalhe aparentemente tolo, acompanha toda a narrativa, que nunca convence.
O maior problema se concentra na personagem Leanne, que não demonstra um pingo de autonomia. Se ela amava tanto Bayou como este a amava, por que ela não fugiu com ele? Precisava ele se arriscar e ir até Summerville para buscá-la? Ademais, não dá para entender por que ela não se afasta da mãe interesseira que já a havia abandonado antes. Para piorar, o filme se esquece de revelar quais os sentimentos dela em relação ao marido.
Quanto a Bayou, seria mais fácil ele pedir para a mãe dele e Leanne irem até Chicago. Mas, o roteiro simplifica essa questão da mãe simplesmente arguindo que ela é orgulhosa demais, sem nem terem perguntado a ela. Pela sua reação, entendemos que Hattie Mae preferiria se mudar para Chicago do que receber o filho na cidade dela, onde o xerife quer matá-lo.
Enfim, tudo é artificialmente arquitetado para levar à tragédia anunciada no prólogo, e a uma surpresa que todos sacam antes ao longo da história.
A direção de Tyler Perry
Mas, há acertos em O Homem do Jazz. A ligação do sofrimento do empresário judeu com o equivalente racismo que Bayou encara faz sentido e cria uma forte união entre esses dois personagens. Na direção, Tyler Perry usa uma bela transição que explica num giro de 360 graus da câmera a passagem da audição para o sucesso de Bayou nos palcos. Porém, e essa é uma falha recorrente, ele mostra rapidamente demais o plano com o irmão no palco, para comunicar que ele também foi aceito pelo empresário do clube noturno. Mas a passagem é tão rápida que muitos espectadores não captam essa informação. Um outro exemplo desse defeito acontece no bilhete que Leanne arremessa pela janela – é breve demais o plano que mostra que a mensagem caiu por equívoco em cima do irmão.
Outros erros provêm de falta de atenção nos detalhes. Por exemplo, quando Hattie Mae questiona o dono da mercearia por que ele abriu as correspondências dela. Isso acontece muito tempo depois de já o termos visto abrindo uma carta do protagonista e surrupiando o dinheiro que ele enviara à mãe. E, com certeza, ela já tinha recebido outras cartas abertas indevidamente pelo lojista. Ou então quando o empresário entra no camarim dizendo que tem algo importante para contar, mas a cena apenas dá prosseguimento ao assunto levantado por Bayou.
No entanto, defensores do filme podem, justificadamente, louvar a questão do racismo, que vale a pena martelar até sua absoluta extinção. De fato, O Homem do Jazz, pelo menos, tem esse argumento a seu favor. Em especial, por trazer à tona a questão dos negros de pele clara que se faziam passar por brancos. Aliás, como o cinema mostrou em Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959), uma obra infinitamente superior dirigida por Douglas Sirk.
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Ficha técnica:
O Homem do Jazz | A Jazzman’s Blues | 2022 | 127 min | EUA | Direção e roteiro: Tyler Perry | Elenco: Joshua Boone, Amirah Vann, Solea Pfeiffer, Austin Scott, Ryan Eggold, Milauna Jackson, Brent Antonello, Brad Benedict.
Distribuição: Netflix.