O Inquilino fecha a trilogia do apartamento de Roman Polanski, composto também por Repulsa ao Sexo (1965) e O Bebê de Rosemary (1968). Em todos os filmes, o terror psicológico domina a trama num crescendo que acompanha o processo de agravamento das condições do protagonista.
A trama I
Desta vez, o personagem principal é Trelkovsky, interpretado pelo próprio Polanski. Ele se muda para um pequeno apartamento em Paris, cuja inquilina anterior, Simone Choule, tentou o suicídio recentemente. Logo, ele começa a desconfiar que todos ao seu redor conspiram para que tenha o mesmo destino de Simone.
Nesse esquema, não só os seus vizinhos estão envolvidos, mas até o dono do café em frente ao prédio, que sempre coloca Trelkovsky na mesma mesa que Simone costumava ocupar. Além disso, lhe oferece o café da manhã que ela pedia e a marca de cigarro que ela preferia. Para completar, Trelkovsky até inicia um relacionamento com Stella (Isabella Adjani), que era amiga de Simone.
A trama II
Na verdade, essa é a trama segundo o ponto de vista de Trelkovsky. Mas, apesar de alguns trechos filmados com a câmera subjetiva, o espectador tem outra percepção dessa história. Mesmo assim, o que se sobressai é a antipatia, e mesmo agressividade, das pessoas que interagem com o protagonista. As únicas exceções são Stella e a moradora que sofre bullying dos vizinhos.
A personalidade recatada de Trelkovsky absorve mal toda essa hostilidade. E o impacto do grito agonizante da moribunda suicida no hospital, um dos momentos mais assustadores do filme, sela seu caminho ao surto paranoico. A cena final reprisa a visita ao hospital, quando Trelkovsky reconhece que ele agora se encontra na mesma situação de Simone quando ele a visitou.
Referências
Na sequência dos créditos iniciais, que é retomada na conclusão, a câmera passeia pelas janelas dos apartamentos, revelando os seus moradores. O cinéfilo, imediatamente, remete esses trechos ao filme Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock. Porém, apesar das semelhanças gritantes, há uma diferença essencial. Como o protagonista de O Inquilino é um paranoico e não um voyeur, Polanski mostra que são os outros moradores que o observam, e não o reverso. Assim, o efeito é impactante, porque eles olham para a câmera, ou seja, para nós, espectadores, no final do filme.
Contudo, a maior referência de O Inquilino recai sobre outro filme de Hitchcock: Um Corpo Que Cai (1958). Afinal, esse longa também traz uma mulher suicida que assombra o protagonista durante toda a história. Além disso, o personagem de James Stewart tenta recriá-la em uma mulher que ele conhece nas ruas (Kim Novak), fazendo-a se vestir como ela. De forma similar, o protagonista de Polanski se transveste de Simone Choule.
Influenciador
Em sentido inverso, este filme de Polanski parece ter influenciado Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese. Em ambos, encontramos um protagonista solitário que se depara com pessoas hostis o tempo todo. Para ele, ninguém parece merecedor de confiança. Nesse sentido, há um paralelo entre as personagens de Isabelle Adjani e Rosanna Arquette.
Ademais, quando Trelkovsky está com Stella e seus amigos, surge até certa desconfiança de que ele causou a morte de Simone Choule. Isso porque um dos amigos argumenta que ela soltou um grito quando olhou para Trelkovsky no hospital. E esse tema do personagem que é vítima de uma falsa acusação também está no longa de Scorsese.
Da mesma forma, o receio de ser acusado por um grupo, muito presente em Depois de Horas, surge em O Inquilino quando ele pergunta ao atendente de bar se conhece alguém que possa lhe vender uma arma. Em resposta, o rapaz diz em voz alta, a todos no recinto, esse pedido suspeito, e Trelkovsky foge do local.
Por fim, outra semelhança entre as duas produções é essencialmente imagética. Trata-se da similaridade entre os dois protagonistas que, em certo momento, estão totalmente imobilizados dentro do gesso.
Leituras
Enfim, estas são apenas algumas possibilidades de leituras que o filme O Inquilino proporciona. Baseado em livro de Roland Topor, esta obra-prima de Polanski está no mesmo patamar elevado dos outros dois títulos da sua trilogia do apartamento.
