Já em sua estreia na direção em O Pássaro das Plumas de Cristal, Dario Argento demonstra a sua maestria no giallo, o suspense e policial italiano dos anos 1960 e 1970. Mesmo sem a ousadia de seus filmes posteriores, como o visionário Suspiria (1977), Argento eleva o nível dos cânones das produções desse gênero.
Isso fica evidente desde uma das primeiras cenas de O Pássaro das Plumas de Cristal, quando o protagonista Sam Dalmas (Tony Musante) testemunha um crime. Aparentemente, sua intervenção impede um assassinato. Mas, como um personagem hitchcockiano, sua ação é desastrada, pois paredes e portas de vidro o impedem de se aproximar da vítima. Além disso, ele fica preso entre elas. A semelhança não para aí – Sam passa de testemunha a principal suspeito, pelo menos, a princípio. Depois, ele passa a ser o principal investigador da série de mortes que acontecem na cidade, por seu próprio interesse.
Ademais, essa cena acontece praticamente sem nenhum diálogo, pois os vidros impedem a propagação do som. Portanto, Dario Argento precisa comunicar o que está acontecendo somente através do visual, e faz isso com domínio total da gramática do cinema. Ao longo do filme, sua direção se destaca pelo uso funcional da câmera subjetiva do assassino, bem como da elipse para manter a violência apenas implícita, sem entrar no gore.
Contínua quebra de expectativas
À primeira vista, a trama parece previsível, mas ela continuamente quebra as expectativas, até o último momento. De fato, a parte final traz uma série de pistas falsas que induz o espectador a pensar que conseguiu antecipar quem é o culpado, para em seguida perceber que o enredo possui uma reviravolta a mais. Nesse aspecto, até exagera um pouco, e a explicação derradeira do psiquiatra soa um tanto frustrante – e uma cópia do final de Psicose (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock.
Um aspecto que chama a atenção no filme é a exaltação da tecnologia, talvez para lhe imprimir um tom de modernidade. Assim, a polícia faz uso de um computador para cruzar os dados de toda a população a fim de filtrar aqueles que possuem as características do suspeito. Além disso, as gravações dos telefonemas do assassino são analisadas em equipamentos especiais. E essa análise descobre a pista crucial do som do pássaro que confere o belo título do longa.
Com esse giallo definitivo, Dario Argento inaugura sua carreira e a sua trilogia com animais no título. Assim, seguiram-se O Gato de Nove Caudas (Il gatto a nove code, 1971) e Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza (4 mosche di velluto grigio, 1971). Sempre contando com Ennio Morricone como compositor das trilhas sonoras. E, em O Pássaro das Plumas de Cristal, com outro craque italiano, o diretor de fotografia Vittorio Storaro.
Aliás, O Pássaro das Plumas de Cristal não é só um dos melhores gialli, mas um dos melhores filmes de suspense da história do cinema.
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Ficha técnica:
O Pássaro das Plumas de Cristal | L’uccello dalle piume di cristallo | 1970 | Itália, Alemanha Ocidental | 96 min | Direção e roteiro: Dario Argento | Elenco: Tony Musante, Suzy Kendall, Enrico Maria Salerno, Eva Renzi, Umberto Raho, Renato Romano, Giuseppe Castellano, Mario Adorf, Pino Patti.