Realizador essencial do chamado giallo, mestre também, para ampliar o escopo de atuação, do horror italiano nos anos 1970 e 1980, formando a santíssima trindade com Mario Bava e Lucio Fulci, Dario Argento caiu em declínio nos anos 1990 e desde então vem acumulando filmes elogiados “apesar de alguma coisa” e filmes francamente falhados.
Talvez Um Vulto na Escuridão (Il fantasma dell’opera, 1998) e O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas (La terza madre, 2007) tenham sido injustamente esnobados em suas estreias, e Insônia (Non ho sonno, 2000) pode ser pouco para quem fez Prelúdio para Matar (Profondo rosso, 1975) e Suspiria (1977), mas está bem longe de ser um filme desprezível. Pelo contrário, é uma mais do que digna atualização das obsessões do diretor para o século que se iniciava então. Por outro lado, seu último filme tinha sido o frustrante, para dizer o mínimo, Dracula 3D (2012).
A verdade é que o giallo, tal como era nos anos 1970 e 1980, deixou de ser feito nos últimos vinte anos, e o próprio Argento parece não ter mais paciência para o maneirismo que ele adotava em seus melhores filmes. E a outra verdade é que muitos pensam que Argento havia se aposentado. Mas que verdades são essas, para ficarmos no tipo de enigma que caracteriza as principais tramas do diretor?
Esse menosprezo dos últimos anos talvez explique a recepção mista que vem tendo até aqui este Occhiali Neri (ainda sem título nacional), giallo fresquinho com a assinatura de um Argento retrabalhado para 2022. Mais uma vez, talvez não se esteja fazendo justiça a um filme que desconcerta por mostrar uma bem-vinda ressurreição. Talvez Argento tenha saído de moda. Mas não é necessário invocar a problemática política dos autores mais uma vez para encontrar qualidades no filme.
Menos estilo, mais dramaturgia
A começar pela protagonista: uma prostituta chamada Diana. Ela se recusa a atender um cliente fedorento e um assassino de prostitutas passa a perseguí-la. Serão ambos a mesma pessoa? O perseguidor tem um furgão, que ele pinta para despistar a polícia. No meio da perseguição, o assassino provoca um sério acidente que mata um casal de imigrantes chineses e deixa Diana cega. Diana se envolve então com o filho do casal, Chin, que sobreviveu ileso ao acidente.
Um menino e uma prostituta cega sendo perseguidos por um assassino cruel e muito forte, que rouba cachorros e mora numa região afastada. Essa é a trama de Occhiali Neri, remetendo a outros cegos, ou personagens que não querem ver (os piores cegos, segundo o ditado) no cinema de Argento, com destaque para o interpretado por Karl Malden em O Gato de Nove Caudas (Il gatto a nove code, 1971).
É certo que nessa trama há algumas cenas mal pensadas de início; por exemplo, a dos policiais encontrando o furgão branco do assassino e agindo bestamente e por impulso. O próprio motivo da perseguição é bem estúpido (ele é matador de prostitutas ou se sentiu ofendido nesse caso em particular?).
Uma cena mal escrita, situações desenvolvidas sem muita elaboração, alguns problemas de ritmo, tudo isso costumava ser compensado pelo maneirismo de direção, que fazia dos melhores Argentos um autêntico espetáculo de estilo. Mas agora a direção de Argento é mais clássica, logo, os desequilíbrios aparecem mais. Argento parece ter trocado o estilo a qualquer custo (um senhor estilo, diga-se) por um cuidado maior com a dramaturgia. Nesse processo, realiza um filme bem interessante, acima da média da produção contemporânea.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Occhiali Neri | 2022 | 86 min | Direção: Dario Argento | Roteiro: Dario Argento, Franco Ferrini | Elenco: Ilenia Pastorelli, Asia Argento, Andrea Gherpelli, Mario Pirrello, Maria Rosaria Russo, Gennaro Iaccarino.