Desde os primeiros momentos de Pedregulhos, notamos que o seu diretor, o estreante P.S. Vinothraj, sabe fazer cinema. Vinothraj posiciona a câmera com precisão a fim de obter os enquadramentos que cada cena exige. Em seguida, monta esses planos com os cortes adequados para, nesse início, apresentar um dos protagonistas: um que caminha, de um jeito peculiar e com pressa.
Enquanto isso, os demais moradores desse pequeno vilarejo indiano mantêm sua rotina sossegada. Num desses enquadramentos, a câmera está dentro de uma casa e, em primeiro plano, uma mulher trabalha; em segundo plano, emulando uma mise-en-scène típica de John Ford, através da porta aberta, vemos o homem passar apressado.
Após alguns minutos seguindo essa sequência, descobrimos, enfim, o que esse homem quer: pegar o filho no meio de uma aula na escola e, juntos, irem até a casa da sogra, onde ele pretende brigar com a esposa. Assim, o filme acompanha o trajeto de ônibus até esse destino. Porém, a sogra lhe conta que a filha saiu e retornou para casa. Então, pai e filho fazem o caminho de volta, desta vez a pé.
Mais sobre a direção
Durante essa singela narrativa linear, o diretor P.S. Vinothraj nos surpreende outras vezes com seu apurado talento. Por exemplo, por duas vezes ele usa a câmera em “bird’s eye”, proporcionando a visão bem do alto, o que destaca a pequenez dos personagens diante do imenso deserto onde vivem. Em contraste, em outro trecho, posiciona a câmera perto do solo e faz crescer a figura dos seus protagonistas, valorizando-os.
Além disso, o filme quase não tem falas, portanto, Vinothraj comunica a essência da história através das imagens. Acima de tudo, evidencia o relacionamento distante entre o pai e o filho. Nesse sentido, em certa cena posiciona cada um em um canto da tela, com um quiosque no meio deles. Ademais, enquanto caminham, o pai vai à frente e o menino segue vários passos atrás. No ônibus, não se sentam juntos.
É fácil compreender o motivo desse distanciamento. O homem é um bruto. Seu temperamento raivoso se faz notar em seu caminhar agitado, mas também no seu olhar enfurecido. De fato, ele logo arruma briga no ônibus, que observamos através da perspectiva de uma passageira com um bebê no colo, e só ouvimos o choro do bebê, enquanto os homens discutem sem que nenhum som saia de suas bocas. Logo depois, o homem sai na mão com a família da esposa. Contudo, o que mais nos aflige são os tapas que ele desfere na cabeça do filho, por um motivo fútil.
Mulheres fortes e essenciais
Por outro lado, Pedregulhos valoriza, nas cenas subsidiárias, a força das mulheres. Assim, no ônibus, além da mulher com o bebê que desembarca no meio do deserto, há uma outra que entra com três baldes pesados de água. O filme retrata, também, mulheres que caçam ratos do deserto para se alimentarem. Por fim, reconhecemos a essencialidade da mulher do protagonista, mesmo que o filme não a apresente para nós. Afinal, enquanto o marido passou o dia inteiro numa jornada inútil atrás dela, ela foi para casa, cuidando da filha mais nova, e preparou a comida que o homem consome após chegar exausto, saciando antes a sede com dois grandes copos de água. Então, o filme se encerra com um grupo de mulheres, que certamente inclui a esposa do protagonista, aguardando pacientemente a sua vez para pegar a água em uma poça quase seca – e o som da senhora coletando a água permanece durante os créditos finais inteiros. Dessa forma, o filme sublinha o quanto a mulher é essencial para a sobrevivência nesse local inóspito.
Por fim, um pouco antes, compreendemos o título do filme, quando o filho tira o pedregulho que ele manteve na boca durante boa parte da história – o que explica a saliência em sua bochecha – e o coloca junto à sua coleção. Pode-se dizer que essa diversão o manteve são durante essa jornada do dia. Por outro lado, a pilha de pedregulhos pode significar a quantidade de vezes que essa tolice se repete.
Esse belíssimo filme, enxuto, mas com várias camadas, foi escolhido pela Índia para concorrer ao Oscar de melhor filme internacional em 2021. E é um dos melhores da Seção Novos Diretores da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
