Pequenas Coisas Como Estas, do diretor belga Tim Mielants, não se caracteriza como uma mera exploração de um fato escandaloso. A partir da chocante história das mulheres submetidas a trabalho escravo e maus tratos nas chamadas Magdalene Laundries, que existiram na Irlanda entre 1922 e 1998, o filme desenvolve um protagonista enigmático, interpretado pelo ótimo Cillian Murphy.
As vítimas dessas instituições eram mulheres consideradas párias da sociedade e que precisavam de um tratamento corretivo. Entre elas, aquelas com problemas mentais ou com comportamento inadequado. O filme mostra que as próprias famílias internavam essas pessoas ali, como a jovem grávida que Bill Furlong (Cillian Murphy) encontra escondida após fugir do local.
Bill, casado e com seis filhas, é normalmente uma pessoa calada e taciturna. Flashbacks de sua infância revelam gradativamente, ao longo do filme, a origem de sua perturbação. Numa progressão similar, Bill descobre cada vez mais sobre o que acontece no convento chefiado pela Irmã Mary (Emily Watson). O ritmo lento do filme, sem picos emocionais, e a fotografia escura refletem o que sente o protagonista. Seu trauma do passado, uma incógnita para o espectador e até para ele próprio, agrava o seu estado emocional perturbado.
O presente como cura do passado (spoilers adiante)
O diretor Tim Mielants consegue desvendar todo o mistério em torno – ou melhor, nas profundezas – do protagonista sem precisar entregar a explicação de bandeja. Confia que o que mostrou durante o filme, todas as pequenas coisas, é suficiente para o espectador entender o tormento de Bill.
Ao aceitar as regras locais e não fazer nada pela interna que lhe suplica uma ajuda e devolver a moça fugitiva para o convento, Bill agrava as suas dores. É a solução aparentemente mais conveniente, pois a influente Irmã Mary tem poderes para prejudicar quem intervir com o que acontece na sua instituição. Conforme a própria afirma, com intenções de ameaça, ela pode dificultar o acesso à escola para as filhas de Bill.
O inteligente roteiro de Enda Walsh, baseado no livro de Claire Keegan, apresenta o preconceito social como a origem do mal. É a intolerância que motiva as famílias a submeterem seus membros a uma instituição de correção. É o repúdio que leva as crianças a cuspirem no menino Bill, porque todos sabiam que a mãe tinha um caso com o tio dele.
E o personagem principal se sente mal porque, enquanto coopera com o convento, ele alimenta o mesmo preconceito que arruinou a vida de sua mãe. E a vida dele, também, pois só agora, na meia-idade e por descobrir as mazelas da instituição, ele percebe o quão danoso é o preconceito – que ele também deixou crescer dentro de si arruinando o amor que sentia pela mãe e pelo tio. Tardiamente, ele busca a paz de espírito, visitando o túmulo da mãe e a casa atual do tio, e ajudando a pobre moça fugitiva.
Mais do que suas mãos, que ele lava obsessivamente todos os dias ao chegar em casa, Bill agora pode conviver com sua consciência limpa.
___________________________________________
Ficha técnica:
Pequenas Coisas Como Estas | Small Things Like These | 2024 | 98 min. | Irlanda, Bélgica, EUA | Direção: Tim Mielants | Roteiro: Enda Walsh | Elenco: Cillian Murphy, Eileen Walsh, Emily Watson, Clare Dunne, Helen Behan, Giulia Doherty, Liadan Dunlea, Rachel Lynch, Aoife Gaffney, Faye Brazil, Agnes O’Casey, Louis Kirwan, Michelle Fairley, Mark McKenna, Zara Devlin, Patrick Ryan, Abby Fitz.
Distribuição: O2 Play.
