Em Post Mortem, o diretor chileno Pablo Larraín traz de volta às telas o ator Alfredo Castro, de seu filme anterior Tony Manero (2008). Desta vez, seu personagem não apresenta as explosões de violência do imitador de John Travolta, e sim uma passividade. E uma passividade perigosa, pois desta vez a ditadura militar não fica apenas como pano de fundo. Aqui, veladamente, a política assume papel central, à frente inclusive do seu protagonista.
Alfredo Castro vive Mario Cornejo, um funcionário (termo que ele mesmo utiliza) que documenta no papel o resultado das autópsias realizadas pelo médico e sua assistente Sandra (Amparo Nogueira, também de Tony Manero). Além de trabalhar ao lado de mortos, sua aparência pálida e, principalmente, seu comportamento isento, o aproximam de um fantasma. Por isso, ele consegue entrar no camarim da dançarina Nancy Puelma (Antonia Zegers), num teatro de vaudeville, sem que ninguém note sua presença. Nancy é a vizinha que mora em frente à casa de Mario, e por quem este se apaixona.
Um filme frio
Post Mortem é um filme que não desperta emoções, salvo alguma náusea por conta das autópsias. Seus personagens são quase todos antipáticos ou frios ou cruéis demais. A única exceção é a assistente Sandra, pois ela demonstra sentimentos humanos ao não suportar ficar calada diante das atrocidades dos militares. Porém, Mario parece não compreender a situação política e até fica orgulhoso por ser útil ao governo que toma o poder. Aliás, o filme evidencia o golpe de estado com o ataque à casa de Nancy, que abrigava encontro de grupos comunistas. Em seguida, Mario anda pelas ruas de Santiago totalmente vazias e com carros explodidos. E, logo surgem pilhas de corpos no necrotério e no hospital para Mario e a equipe de autópsia avaliarem. Um deles, é o do próprio presidente deposto, Salvador Allende, que o médico oficialmente registra como suicídio, mas a trama deixa isso em suspeita.
Existe um momento dramático, muito bem atuado, mas sem intenção de envolver o espectador. É quando Mario recebe a visita de Nancy em sua casa e prepara uma janta simples, ovo e arroz, para ela. Enquanto Mario come sua refeição quieto, Nancy parece muito triste, e, numa tomada sem cortes, começa a chorar copiosamente, o que contamina também Mario, que chora igual. Os dois nada falam, porém, entendemos que eles externam a situação deles, infelizes com suas vidas. Contudo, isso não desmente a característica passiva do protagonista, pois ele pode estar apenas reagindo ao sentimento de Nancy.
Racionalidade
Assim, não é pela emoção que Post Mortem engaja o espectador. O melhor caminho para se envolver no filme é através da racionalidade. E, dessa forma, identificar as conexões dos eventos da trama com o turbulento momento político do Chile em 1973. Não que seja um exercício de busca de metáforas, pois os fatos surgem claramente, como as manifestações populares nas ruas, o golpe de estado e a morte do presidente, bem como as pilhas de corpos assassinados pelos militares.
Além disso, o que desperta interesse é a reação de Mario diante de tudo isso. Passivo, alienado ou mesmo apoiando inconscientemente a ditadura, ele parece ser o objeto de crítica do diretor Pablo Larraín. Mario representa a parte do povo que agiu como ele, contribuindo assim a legitimar esse governo golpista.
Nesse sentido, a cena final, a mais simbólica do filme, representa como essa atitude calou os focos de oposição. Mario, por ciúme, pouco a pouco bloqueia a porta do esconderijo de Nancy e seu amante, numa longa sequência com a câmera fixa. Ele empilha objetos aleatórios, muitos dos quais parecem não fazer nenhuma diferença para esse objetivo. Ou seja, numa alusão às pequenas atitudes que mantiveram a ditadura no poder por 17 anos.
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Ficha técnica:
Post Mortem | Post Mortem | 2010 | Chile, México | 98 min | Direção: Pablo Larraín | Roteiro: Mateo Iribarren, Pablo Larraín | Elenco: Alfredo Castro, Antonia Zegers, Jamie Vadell, Amparo Noguera, Marcelo Alonso, Marcial Tagle, Santiago Graffigna, Ernesto Malbran.