O cinema italiano se notabiliza por contar estórias pelos olhos de crianças. Cinema Paradiso (1989) é um bom exemplo dessa qualidade. E o diretor Emanuele Crialese a comprova com seu filme Respiro – e repetiria a abordagem em Terra Firme (2011).
Lampedusa
Respiro se passa na pequena ilha pesqueira chamada Lampedusa, no mar Mediterraneo. Lá, vive Grazia, uma jovem mãe de três filhos: os adolescentes Marinella e Pasquale, e a criança Filippo. Além deles, completa a família o marido Pietro. Pasquale é o centro da estória. É ele quem está sempre envolvido nas brigas da sua turma com os rivais da mesma idade. Mas, acima de tudo, o garoto tenta controlar a mãe. Impetuosa, ela age movida pelas suas emoções, que a levam a nadar nua na praia e a entrar num barco com dois homens estrangeiros desconhecidos. Quando está muito abalada, se torna agressiva e totalmente fora de controle. Por isso, os moradores da vila a temem, e o marido pensa em levá-la para tratamento em Milão.
No filme, há um clima de nostalgia, apesar de nada indicar em que ano ela acontece. Esse tom nostálgico vem do retrato das experiências dos filhos de Grazia. São momentos que não movem a narrativa, mas que constroem um amálgama de emoções que transmitem o espírito daquele tempo e local para o espectador. Por exemplo, a troca de peixes por brinquedos, o namoro da irmã com um policial novato, as guerras entre as gangues de meninos… Com isso, o diretor Emanuele Crialese insere várias conexões emotivas que conquistam o público.
Por outro lado, Respiro trabalha numa chave crítica também. Assim, a paisagem paradisíaca da ilha contrasta com o entulho com o qual as crianças brincam. E a belíssima Grazia, interpretada por Valeria Golino, possui bipolaridade. Da mesma forma, os moradores preferem expulsar Grazia a aceitá-la como ela é. Aliás, essa última abordagem representa o tema central do filme. E sua parte final constrói uma conclusão belíssima com esse mote.
Conclusão belíssima
O leitmotiv surge antes, quando os moradores entram na água da praia para procurar Grazia. Ela se escondeu numa caverna para não ser enviada para Milão, e todos pensam que ela morreu, com exceção de seu cúmplice Pasquale. Diferente da trilha musical ouvida até então, esta possui sons eletrônicos que destoam do ambiente da estória. Mas, isso é proposital, e serve tanto para enfatizar o tema do enredo como para inserir um tom fantástico. Por isso, esse leitmotiv está também na cena em que o marido mergulha para colocar uma estátua de uma santa no fundo do mar, para trazer a esposa de volta. Por fim, a conclusão é magnífica. A câmera filma de dentro da água, de baixo para cima, as pernas dos moradores acolhendo Grazia. Assim, configura-se uma quase dança, numa poética representação de que resolveram aceitá-la na comunidade.
Respiro mostra que a vida não é perfeita, mas é bela, e precisa de uma pausa, um respiro no cotidiano para ser devidamente apreciada. Merecidamente, o filme recebeu vários prêmios, entre eles o de Melhor Filme na Semana da Crítica do Festival de Cannes, em 2002. E, a partir de 1º de abril de 2021, o filme está disponível, com exclusividade, na plataforma Belas Artes à la Carte.
___________________________________________
Ficha técnica:
Respiro (Respiro) 2002. Itália/França. 90 min. Direção e roteiro: Emanuele Crialese. Elenco: Valeria Golino, Vincenzo Amato, Francesco Casisa, Veronica D’Agostino, Filippo Pucillo, Muzzi Loffredo, Elio Germano.