Em Retrato de um Certo Oriente, o diretor Marcelo Gomes troca o sol escaldante e o branco estourado de Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), seu filme mais conhecido, pelo preto e branco da viagem via navio e barco que leva os protagonistas do Líbano para Manaus.
O ano é 1949. Ao ser convocado para lutar na guerra, Emir (Zakaria Kaakour) resolve fugir do seu país, o Líbano. Às pressas, vende a casa da família e busca a sua irmã Emilie (Wafa’a Celine Halawi) em um convento para partirem para o Brasil. Os dois são os únicos que restaram da família, após a morte dos pais. Nessa viagem, Emilie se apaixona pelo comerciante muçulmano Omar (Charbel Kamel), que a convence a seguí-lo até Manaus. Emir, mais por ciúme e possessividade do que pelas diferenças religiosas, se opõe a esse relacionamento da irmã. Apesar de fazer amizade com um fotógrafo, esse sentimento destrutivo acaba dominando Emir.
Plasticamente, o filme é irretocável. A fotografia de Pierre de Kerchove, frequente colaborador de Marcelo Gomes, acerta no contraste forte entre o branco e o preto, que combina com a época em que a trama acontece, e com o tom noir do romance trágico. E Gomes procura sempre o melhor enquadramento, usando habilmente, com frequência, molduras dentro do quadro para isolar os personagens quando a cena assim o necessita.
Um toque documental
Em alguns trechos, o longa abraça um estilo documental. No porto, imigrantes de diversas nacionalidades prestam rápidos depoimentos. Provavelmente, são atores ou não-atores que encenam sua fala seguindo as orientações do diretor. Mas, são testemunhos que exemplificam a esperança que eles tinham ao se mudarem de tão longe para o Brasil.
Outro aspecto documental reforça uma reverência aos povos indígenas. Primeiro, ainda na ficção pura, porque uma jovem indígena faz amizade com Emilie no barco, e é o pai dela que cura Emir após um incidente que lhe fere a perna com um tiro de revólver. Mas, o mais importante nesse olhar favorável aos povos originários está na presença de grileiros que querem expulsar os indígenas de suas terras, quando o chefe da tribo tem a oportunidade de defender os seus direitos.
No entanto, o enredo baseado na obra “Relato de um Certo Oriente”, de Milton Hatoum, gerou dramaturgia insuficiente na tela. Retrato de um Certo Oriente convence mais na crescente paixão entre Emilie e Omar do que na angústia que sufoca Emir. Este personagem do irmão permanece fora de cena por demasiado tempo, e a ausência de um mergulho em seu sofrimento deixa uma lacuna importante na tragédia que se segue.
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Ficha técnica:
Retrato de um Certo Oriente | 2024 | 93 min | Brasil, Itália, Líbano | Direção: Marcelo Gomes | Roteiro: Maria Camargo, Gustavo Campos, Marcelo Gomes | Elenco: Wafa’a Celine Halawi, Charbel Kamel, Zakaria Kaakour, Rosa Peixoto, Eros Galbiati.
Distribuição: O2 Play.