Nos créditos iniciais de Rodas e Eixo (Shajiku) ouvimos um jazz que acompanha um carro dirigindo pelas ruas de Tóquio à noite. Belamente fotografada, a cena evoca o film noir, ainda mais com o formato de tela menos retangular (talvez 1.37:1) que o widescreen. Mas, estranhamente, a velocidade está ligeiramente acelerada, como evidenciam as pessoas andando nas ruas.
Saltando para a cena final, o jazz está dissonante. A impressão inicial estava errada. A música, o passeio por tantas ruas, o formato de tela que parece sufocar, o ambiente noturno, enfim, toda a mise-en-scène antecipa o tema do filme. Descobriremos um drama existencial, com dois personagens perdidos e buscando um sentido para suas vidas. Por isso, a velocidade acelerada, que induz à diferença entre os protagonistas e as demais pessoas, as comuns, como se não fossem parte da mesma sociedade.
Um deles é Manami, uma garota do interior, filha de um político, que agora mora sozinha em Tóquio para estudar na universidade. Uma amiga a leva a visitar pela primeira vez um bordel chique e a apresenta a Jun, um rapaz gay de família milionária. Lá dentro, os três pedem a companhia do garoto de programa Seiya, por indicação de Jun. Conforme Manami vai provando novas experiências sexuais, mais ela vai se sentindo mais perdida. E o mesmo acontece com Jun.
Cinema, teatro e literatura
Rodas e Eixo parece buscar a aproximação entre artes que funcionou tão bem em Drive My Car (2021), de Ryusuke Hamaguchi. Essa impressão fica forte quando Jun leva Manami para assistir a uma sessão de leitura do livro “Madame Edwarda”, de Georges Bataille, remetendo ao que acontece com a encenação de “Tio Vania”, de Tchekhov no filme de Hamaguchi. Nos dois casos a obra extra-filme está intimamente ligada ao enredo do longa.
No filme de Jumpei Matsumoto, a encenação causa um impacto demasiadamente forte em Manami, tal como o próprio livro já provocara em Jun. Os dois chegam até a reencenar a obra na escadaria de um templo. Os muitos espelhos que aparecem durante o filme reforçam o quanto esses dois personagens se atormentam com questionamentos.
A inquietação de Jun e Manami é angustiante. Por isso, o filme pede por um radicalismo que fica só na ameaça. A citada encenação no templo, por exemplo, deveria escalar para atos de extrema ousadia. E, isso, só vemos no trecho em que Manami visita o pai e é espancada e depois se vinga urinando na sala – mas se trata de uma fantasia. A cena final, além disso, deixa os dois às portas do inferno, com a moça entrando para o mundo da prostituição e o rapaz sem saber o que fazer da vida. Seria mais contundente esticar mais o filme para, assim, mostrar o quanto eles despencarão.
Pink Champanhe
Rodas e Eixo, além disso, recorre a truques muito usados no cinema. Como o vômito da protagonista, recurso usado demasiadamente no cinema contemporâneo para revelar algum nervosismo em situação difícil. Ou o som da chuva no início da cena no templo – os fenômenos da natureza sempre serviram para caracterizar o estado mental do personagem que está na tela.
Mais grave, porém, é explicar verbalmente a comparação com as rodas e o eixo do título (no original está apenas o eixo). Manami e Jun são, assim, rodas sem rumo, e precisam de um eixo para encontrar uma direção. Enganam-se em pensar que Seiya cumpriria esse papel. Embora o garoto de programa seja autoconfiante e seguro quanto a suas opções de vida, ele não é capaz de dar esse suporte a esses dois perdidos. Chega até a incomodar um plano que filma uma roda se movimentando, para enfatizar essa metáfora.
Por outro lado, soa bem a ideia do champanhe mais caro da casa noturna se chamar Pink. Remete, assim, ao pink eiga, a onda de filmes japoneses dos anos 1960 que apelavam para forte conteúdo sexual. Aqui, marca o ponto em que Manami perde sua sensatez gastando além do que pode para provar que é audaciosa.
Contudo, Rosas e Eixo parece acanhado frente aos pink eigas. Em seu quinto filme, o diretor Jumpei Matsumoto erra ao não ousar o tanto quanto o tema do filme pede. Nagisa Oshima faria maravilhosas loucuras com esse material.
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Ficha técnica:
Rodas e Eixo | Shajiku / Wheels and Axle | 2023 | 120 min | Japão | Direção e roteiro: Jumpei Matsumoto | Elenco: Masato Yano, Uri Suzuki, Atomu Mizuishi, Lin Honoka.
Obs: o filme está na programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.