Rosalina (Rosaline) é uma versão livre de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare. Baseado no romance “When You Were Mine”, de Rebecca Serle, o filme traz como protagonista a paixão anterior de Romeu que a obra original cita, mas nunca mostra. A abordagem lembra Ofélia (Ophelia, 2018), de Claire McCarthy, que faz o equivalente com “Hamlet”. A diferença essencial é que neste filme dirigido por Karen Maine o tom é de comédia, portanto, correndo menos riscos.
Em alinhamento com a idade dos protagonistas, o filme se aproxima de uma comédia juvenil, mas que conta que o público tenha a mínima familiaridade com a obra do bardo inglês. Pelo menos, em alguns trechos. Como na abertura, quando o roteiro prega peças no espectador. O cenário é Verona, na época da história original mesmo. Vemos um jovem escalando até a sacada do quarto de uma garota. Ouvimos seu flerte poético em inglês arcaico, e de repente, a menina intervém: “Por que está falando assim?”. Assim, quebra a expectativa que o público sempre tem em relações às adaptações de Shakespeare para o cinema. E, de fato, prevalece o linguajar habitual durante o restante do filme. Por fim, após criar certo suspense, eles revelam seus nomes: Romeu e… Rosalina!
Os melhores trechos do filme resultam dessas cutucadas no público que já possui suas expectativas prévias sobre produções derivadas da obra Shakespeare. Nesse sentido, surpreende ouvirmos “It Must Have Been Love”, de Roxette, na festa da família dos Capuletos. Aliás, a música contemporânea estava em Romeu + Julieta (Romeo + Juliet, 1996), mas esta adaptação de Baz Luhrmann acontecia nos dias de hoje, então, não causou surpresa.
Um outro final infeliz
Ao mesmo tempo, fica sempre a curiosidade de acompanhar o desenrolar dessa nova história em relação aos acontecimentos da obra original. Até certo ponto, tudo vai bem nesse sentido. Assim, devido a uma fraquejada de Rosalina (Kaitlyn Dever), e da insistência do pai dela em casá-la rapidamente, Romeu acaba conhecendo Julieta (Isabela Merced) e se apaixonando por ela. Aqui, Rosalina acaba sendo a responsável, juntamente com um carteiro atrapalhado, pela confusão que levará à tragédia que o mundo inteiro conhece. No entanto, buscando coerência com a leveza da comédia durante todo o filme, a conclusão opta por alterar a conclusão original. Substitui por outra tragédia, agora engraçada, de que Romeu e Julieta não têm nada em comum e terão que aguentar uma vida inteira juntos. Ou seja, não há final feliz. Mas, mesmo assim, eliminar a conclusão soa como um disparate, uma alternativa capenga por causa da falta de coragem (ou de criatividade) para manter o desfecho famoso.
A comédia funciona bem no filme. Pelo menos, nos diálogos afiados, especialmente os ditos pela talentosa Kaitlyn Dever. Mas nem tanto no humor físico, como quando Romeu (meio bobalhão) quase cai da sacada no início da história. De qualquer forma, o roteiro é bem amarrado. Por isso, piadas fáceis, como os brincos de Rosalina e Julieta que se enroscam, e o carteiro confuso, são essenciais para engatilhar acontecimentos essenciais da narrativa.
A direção
A direção de Karen Maine é caprichada. Ela, que fez antes a comédia apimentada Acampamento do Pecado (Yes, God, Yes) em 2019, aqui mostra bom gosto nos enquadramentos e na fotografia. Isso fica evidente nas cenas noturnas, que começam com uma moldura dentro do quadro, aproveitando o contorno da porta. Vale também destacar o movimento da câmera que sai de um plano mais fechado e abre até vermos a aia de Rosalina, quebrando com humor o momento de epifania da protagonista. Por fim, o rápido olhar para a câmera da personagem encerra essa brincadeira com Shakespeare, como que pedindo nossa cumplicidade para a liberdade de alterar o final. E, principalmente, por mostrar um novo casal mais interessante do que os ingênuos românticos Romeu e Julieta.
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Ficha técnica:
Rosalina | Rosaline | 2022 | 95 min | EUA | Direção: Karen Maine | Roteiro: Scott Neustadter, Michael H. Weber | Elenco: Kaitlyn Dever, Isabela Merced, Sean Teale, Kyle Allen, Spencer Stevenson, Bradley Whitford, Christopher McDonald, Minnie Driver, Nico Hiraga.
