Segredos Oficiais resgata com sobriedade um fato verídico dos bastidores da política internacional.
Katharine Gun (Keira Knightley) é uma funcionária do GCHQ – Government Communications Headquarters, serviço de inteligência britânico responsável pela segurança nas comunicações em Londres. Quando ela e seus colegas recebem uma ordem para interceptarem dados de membros das Nações Unidas como parte de uma estratégia do governo dos EUA, junto com a Inglaterra, de conseguir votos a favor da guerra contra o Iraque, Katharine se revolta.
Então, resolve agir. Ela entrega uma cópia do comunicado a uma ativista antibelicista, e esta passa a um jornalista do The Observer. Logo, a notícia vira manchete e ganha proporções polêmicas. Porém, por um erro de uma revisora, é considerada falsa. Enquanto o presidente George Bush inicia os ataques ao Iraque, Katharine se entrega e será julgada pelo seu ato.
Traição e espionagem
O filme Segredos Oficiais começa em 2004, em um prólogo que mostra Katharine já no tribunal sendo julgada. Os termos da acusação repetidos pelo juiz, como traição e espionagem, influenciam o espectador a prejulgarem a moça. Assim, ainda que o filme não emita essa posição durante sua projeção, Katharine não recebe características heroicas.
Por outro lado, a protagonista possui valores fortes calcados em princípios universais de justiça, e isso não permite que ela assista passivamente sequer os noticiários políticos. Então, quando surge a oportunidade de agir efetivamente em prol de suas crenças, ela comete o ato criminoso de vazar uma informação secreta. No entanto, faz isso porque acredita que servirá a um bem maior. Ou seja, evitar a morte de muitas pessoas, civis e militares, se os EUA e seus aliados declararem guerra ao Iraque.
O foco da história não se concentra exclusivamente em Katharine. O jornalista Martin Bright (Matt Smith), autor da matéria, também recebe bastante atenção no roteiro. É um personagem bem construído, idiossincrático, também idealista como Katharine, e um modelo de profissional do jornalismo investigativo. Além disso, o filme também reserva alguns momentos para Ben Emmerson (Ralph Fiennes), o líder do grupo de advogados que ajuda causas sociais. Esses dois protagonistas são secundários, mas participam isoladamente em cenas onde conduzem a narrativa, sem a presença de Katharine.
Sombrio
Segredos Oficiais possui um tom muito sério, quase sombrio, com cores escuras e acinzentadas. Não há nenhum momento de humor no filme e a atriz Keira Knightley aparece sem o glamour que lhe é natural e que marcou sua carreira. Poucas vezes ela exibe seu sorriso que encanta o público. Afinal, a intenção é claramente de mostrar sua personagem como uma pessoa comum. E que, ao contrário de uma heroína, chega a se arrepender do seu ato. Nesse sentido, ela afirma, ao ver no noticiário da televisão que a guerra ao Iraque começou: “Como fui ingênua.”.
Dessa forma, ao conduzir o espectador nessa direção, coloca Katharine numa posição onde o arrependimento parece ser o resultado do seu ato. Com isso, Segredos Oficiais surpreende em sua conclusão. Ao final de tudo, Katharine perdeu seu emprego, seu marido pode ser deportado, e ela condenada à prisão. Ademais, George Bush e Tony Blair (primeiro ministro do Reino Unido) conseguiram materializar a guerra contra o Iraque. Há um pouco de cinismo na inesperada resolução do julgamento, uma artimanha do governo para não manchar sua imagem. Colocando imagens reais de Katharine Gun na saída do tribunal, ela afirma que valeu a pena e que faria tudo de novo.
Segredos Oficiais, nessa conclusão inesperada, força o espectador a concordar com Katharine. Ela não impediu a guerra, mas tornou pública a intenção dos governos dos EUA e do Reino Unido de manipular as Nações Unidas para seus fins bélicos.
Por fim, este é o segundo filme seguido do diretor Gavin Hood com tema político – o anterior foi Decisão de Risco (2015), com Helen Mirren. Definitivamente, Segredos Oficiais é muito mais contundente.
