Shirley Valentine marcou época por quebrar os padrões de comportamento das mulheres quarentonas, pois nos anos 1980 a sociedade ainda esperava que fossem apenas donas de casa dedicadas. O tema considerado ousado se encaixou perfeitamente com a filmagem inovadora de Lewis Gilbert. Esse experiente realizador já dirigira três filmes do agente secreto James Bond e os elogiados Como Conquistar as Mulheres (1966) e O Despertar de Rita (1983), ambos estrelados por Michael Caine.
A ousadia de Lewis Gilbert em Shirley Valentine coloca a protagonista do título, interpretada por Pauline Collins, olhando diretamente para a câmera para conversar com o espectador. Esse recurso, conhecido como a quebra da quarta parede, ganha uma associação adicional porque Shirley Valentine costuma falar com as paredes de sua casa. Na verdade, essa é a solução que ela encontrou por passar a maior parte do tempo sozinha.
Confidentes de Shirley
Gilbert convida o espectador a ser um confidente de Shirley Valentine, e não só por ela falar para a câmera. Por exemplo, quando ela está numa praia, a câmera passa por uma mulher debaixo do guarda-sol e faz o movimento de volta. Ao parar nela, descobrimos que é Shirley, e ela brinca: “Sabia que você não ia me reconhecer!”. Em outra cena, ela tem a sensação que todos no restaurante do hotel estão incomodados com uma mulher viajando sozinha. Então, quando ela passa entre as mesas, o espectador vê todos parando de comer para olhar para Shirley.
Além disso, o diretor ainda brinca com o clichê da metáfora da cena de sexo. Aqui a metáfora envolve o movimento da água e do barco, mas inserindo humor com a aceleração da velocidade da câmera. E até com o som da trilha sonora, que Shirley obviamente não ouve, mas ela pergunta: “De onde vem essa orquestra?”.
A fera domada
A personagem principal foi uma adolescente revoltada, péssima aluna e indisciplinada na escola. Hoje, porém, ela é uma mulher de 42 anos, casada, que vive só com o marido porque sua filha e seu filho já são adultos e saíram de casa. Então, sua função agora se restringe a cozinhar para o marido Joe, e mesmo isso fica limitado à rotina exigida por ele. Quando atrasa o jantar, Joe reclama. Para piorar, ela fez ovos quando devia ter feito filé, já que quinta-feira é dia de filé. Então, ele dá um chilique e joga toda a comida em cima dela. Essa explosão de raiva é o estopim que ela precisava para resolver viajar para a Grécia com uma amiga.
Na Grécia, a amiga a abandona e ela precisa se virar na situação inédita em sua vida de viajar sozinha. A princípio, fica perdida e infeliz. Mas, logo resolve tomar as rédeas de sua vida e se divertir. Em um dos vários bordões que solta, ela diz: “Você viu que eu estou conduzindo o barco?”, no momento em que ela toma coragem para partir em um passeio com um desconhecido local.
Apesar de a própria Shirley Valentine declarar não ser uma feminista, e até brincar que a amiga dela sim é que incorporou esse movimento, ela solta várias frases que poderiam representar essa bandeira. Mas as que sumarizam a estória que assistimos são:
“Eu costumava ser uma mãe. Eu costumava ser uma esposa. Agora sou Shirley Valentine de novo.”
Para muitos, Shirley Valentine parece ultrapassado, e serve apenas como um retrato de uma época que passou. Porém, para outras pessoas, o filme continua uma inspiração para a busca de uma vida mais interessante. E isso vale para homens e mulheres.
Ficha técnica:
Shirley Valentine (Shirley Valentine, 1989) Reino Unido/EUA. 108 min. Dir: Lewis Gilbert. Rot: Willy Russell. Elenco: Pauline Collins, Tom Conti, Julia McKenzie, Alison Steadman, Joanna Lumley, Sylvia Sims, Bernard Hill, George Costigan, Gillian Kearney, Catharine Duncan.
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