A 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo exibe o filme japonês Sol de Inverno, dentro da Competição Novos Diretores. Escrito e dirigido por Hiroshi Okuyama, o longa propositalmente dá a falsa impressão de produção antiga, feita para a TV, por conta do tema que aborda.
A tela tem formato quase quadrado, parecido com a dos televisores do século passado. O personagem do treinador utiliza fitas cassete em seu carro e no aparelho de som que leva para o ringue de patinação. Na aparência, a fotografia apresenta um tratamento amarelado, como de fotografias envelhecidas. A própria trama parece antiquada – durante a primeira hora a estória é doce, bonitinha demais.
Em tempo, o enredo acompanha o garoto Takuya, de uns doze anos. No beisebol e no hóquei, ele é abaixo da média, por ser disperso e não entrar no jogo. Essa distração, porém, desaparece quando ele para e observa a menina Sakura treinando patinação artística. A sua paixão pela menina o motiva a treinar sozinho. E logo chama a atenção do treinador Arakawa.
Com muita dedicação, Takuya alcança um patamar suficiente para competir em dupla junto com Sakura. A química dá certo e os três se divertem enquanto aprimoram o número que vão apresentar. Mas, o espectador experiente sabe que, sem conflito, não há filme. Então, já fica na expectativa de surgir algum problema, ou mesmo uma tragédia. Dito e feito, após uma empolgante cena de treino num lago, a música silencia. O que acontece a seguir transforma a estória em drama, mas saindo do lugar comum do gênero.
Herança maldita
O conflito faz justificar as escolhas do diretor. As referências a uma época passada se alinham com o fator que faz desmoronar o equilíbrio do trio de personagens principais. Sakura descobre que Arakawa tem um namorado, e isso desperta nela ciúme (ela deixa de ser a queridinha do treinador), preconceito e desconfiança (de que ele possa ter segundas intenções com Takuya). Dentre esses três fatores, o preconceito é o mais latente. Antes de Sakura, o espectador já sabe que Arakawa é gay, informação que o filme apresenta de forma natural. A visão preconceituosa da menina remete a tempos passados, e não à época atual.
As luzes que entram no ginásio pelas janelas e que ficam aparentes por conta da névoa lá dentro ilustram a beleza de um mundo em harmonia. Em contraste, a escuridão na sala onde a mãe de Sakura dispensa o treinador representa o outro lado, aquele dominado pelo preconceito.
Sol de Inverno surpreende por essa crítica feita com sutilezas. Como o filme aponta, o mundo está em transformação na questão dos gêneros – mas essa mudança ainda não se completou. Nessa estória, uma representante da nova geração ainda mantém o preconceito herdado dos pais.
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Ficha técnica:
Sol de Inverno | My Sunshine | 2024 | Japão | 90 min. | Direção: Hiroshi Okuyama | Roteiro: Hiroshi Okuyama | Elenco: Sosuke Ikematsu, Keitatsu Koshiyama, Kiara Nakanishi.
Distribuição: Prisma Filmes.