Repleto de simbolismos, Sua Última Façanha retrata o fim da era dos caubóis, no início dos anos 1960.
Kirk Douglas vive Jack Burns, um antigo caubói que enfrenta dificuldades para se adaptar ao mundo atual. Desempregado, visita uma antiga paixão (interpretada por Gena Rowlands ainda bem novinha) que se casou com seu amigo Paul Bondi (Michael Kane – não confunda com Michael Caine). Então, ao ser informado que Paul foi preso por ajudar imigrantes mexicanos, Jack resolve forçar uma situação para ir para a cadeia para poder rever o amigo. Mas, ao fugir das grades, ele é perseguido implacavelmente pela polícia.
O roteiro, do talentoso Dalton Trumbo, guarda belas metáforas para ilustrar a ideia da transformação cultural dos Estados Unidos, que já não tem espaço para os velhos caubóis. Afinal, o trabalho deles foi substituído por caminhões que viajam a alta velocidade pelas rodovias. Além disso, a terra sem leis deu lugar a estados com várias regras e uma polícia muito bem equipada.
Essas mudanças atingem até mesmo o estado do Novo México, palco de vários faroestes que imortalizaram suas emblemáticas paisagens desérticas. E a abertura de Sua Última Façanha, filme rodado em preto e branco, aproveita essa bagagem fílmica do espectador para enganá-lo. Assim, a câmera faz um movimento panorâmico horizontal, típico do western, que capta as montanhas e leva até um cavalo e, finalmente, a um caubói deitado no chão tomando sol. Ou seja, até esse momento, um típico faroeste. Mas Jack, o caubói, olha para cima e vê uma esquadra de jatos cruzando o céu. E, quando começa a cavalgar, do outro lado do morro, encontra uma movimentada rodovia que ele precisa atravessar com o cavalo.
O desafio da modernidade
Além da preferência pelo cavalo como meio de transporte, Jack demonstra que não se adaptou às mudanças e, por isso, corta com um alicate a cerca de arame farpado que demarca um terreno como propriedade do estado. E ninguém mais tolera a sua resolução dos conflitos do dia a dia através da violência, o que era antes uma situação normal. Portanto, fugir da prisão representa uma infração das mais graves.
Montado em seu cavalo, Jack foge para cruzar o estado para escapar do cumprimento da pena. E a perseguição ao fugitivo ganha dimensões desproporcionais. Além do xerife e seus ajudantes, em seus jipes adaptados à geografia rochosa local, um helicóptero militar entra na busca – para dar uma experiência prática aos soldados, como explica o capitão – e também a patrulha rodoviária em seus velozes carros. Intencionalmente, contrapõem-se um homem e seu cavalo contra esses homens da lei com equipamentos modernos. A situação parece uma prévia de Rambo – Programado Para Matar (1982), onde Sylvester Stallone vive um ex-combatente que não se adapta à vida civil e é perseguido implacavelmente pelo xerife e seus ajudantes.
O verdadeiro desafio de Jack é a modernidade, à qual ele não consegue se ajustar. Isso fica evidente porque o que finalmente o derrota não são os seus perseguidores, mas um pacato motorista de um caminhão enorme. Esse personagem entra várias vezes no filme sem que tenha qualquer ligação com a trama principal, e cruza o destino do protagonista de forma trágica. Até então, o caminhão sempre aparecia em planos que enfatizavam as suas proporções monstruosas.
Adeus ao cavaleiro dos faroestes
Na conclusão, o xerife se sensibiliza com a angústia de Jack e finge não o reconhecer. Ele sabe que o velho caubói já está naturalmente condenado. A cena do seu chapéu abandonado na estrada, entre os carros que fatalmente o destruirão, simboliza o fim dessa geração que marcou a história dos EUA.
O cavalo de Jack, na verdade uma égua indomável, também é uma representação do caubói que não quer se ajustar à sua situação. Apesar disso, Whisky, a égua, é leal, como Jack em relação aos seus amigos. O destino dos dois, porém, será o mesmo.
Esse roteiro inteligente de Sua Última Façanha não ganha uma direção à altura. David Miller foi apenas um profissional competente em sua carreira, e aqui ele, ou talvez o produtor Edward Lewis, deixou o editor Leon Barsha cometer alguns erros crassos na montagem. Há quebra de eixo na cena dentro da cela e na subida do último penhasco, e quebra de continuidade quando Jack tenta domar a égua à beira de um precipício.
Essas falhas não extinguem o brilho de Sua Última Façanha, um digno adeus ao tradicional personagem dos faroestes.
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Ficha técnica
Sua Última Façanha (Lonely Are The Brave, 1962) EUA. 107 min. Dir: David Miller. Rot: Dalton Trumbo. Elenco: Kirk Douglas, Gena Rowlands, Walter Matthau, Michael Kane, Carroll O’Connor, William Schallert, George Kennedy, Karl Swenson, William Mims, Martin Garralaga, Lalo Rios, Bill Bixby.