“Sully: O Herói do Rio Hudson”: Clint Eastwood quebra as convenções do filme-catástrofe
Em “Sully: O Herói do Rio Hudson”, Clint Eastwood opta por não seguir a fórmula do gênero catástrofe. E constrói um drama investigativo centrado no protagonista do evento que emocionou os Estados Unidos em 2009. No incidente, o piloto Sully (Tom Hanks) pousou um avião com 155 pessoas no rio Hudson, logo após decolar do aeroporto de Nova York, porque seus motores sofreram danos por causa de pássaros.
Aclamado como herói pela imprensa e pelo povo americano, Sully enfrentou questionamentos por parte dos investigadores da companhia de seguros. Estes insistiam que o avião poderia retornar para o aeroporto de onde decolou, ou mesmo pousar em outro que estava próximo, causando menos prejuízo material. O veterano piloto vive, então, um drama pessoal, duvidando de si mesmo em relação a sua opção, até a data de seu julgamento.
O lugar comum para filmar essa história seria exibir alguns tripulantes e passageiros, cada um representando um estrato da sociedade, para que o espectador possa se identificar com um deles. E, a partir daí, relatar o que acontece dentro da aeronave, até o acidente e o salvamento. Contudo, nas mãos de Eastwood, o livro escrito por Sully e Jeffrey Zaslow passou para as telas como um relato repleto de recortes, no qual os acontecimentos não surgem de forma cronológica, e sim, num ir e vir que prende o interesse do espectador.
Processo investigativo
A primeira sequência revela cenas de um avião caindo sobre Manhattan, no entanto, é apenas um pesadelo de Sully, que as investigações sobre ele já começaram e ele não consegue mais dormir. Como não pode retornar para casa, o clima com sua esposa está tenso. Assim, logo após desvendar que ele passa por um questionamento, o filme parece que mostrará o que aconteceu desde o início. Com isso, o público é instigado a averiguar se o piloto agiu corretamente. Porém, o roteiro surpreende o espectador, e passa a alternar flashbacks com situações atuais, colocando-o em posição de dúvida sobre o caminho que o relato seguirá. O acidente, inclusive, será visto e revisto em mais de uma oportunidade, criando um paralelo com o processo investigativo ao qual é submetido.
Alguns personagens são individualizados. O copiloto Jeff Skiles (Aaron Eckhart) assume o papel de principal coadjuvante, sendo um bom amigo de Sully e mais solidário do que a esposa, interpretada por Laura Linney. Além da tripulação, o filme apresenta recortes de alguns passageiros – uma velha senhora e sua filha, um pai e seus dois filhos adultos, etc. – mas sem se concentrar muito neles. Afinal, o acidente na tela evita um tom exageradamente espetacular. Pelo menos, não além do extraordinário que o fato por si representou. Os efeitos especiais conseguem a proeza de se aproximar do que realmente se passou, tanto que as imagens de televisão que surgem nos créditos finais se parecem muito com as produzidas para o filme.
Sobriedade
O tom sóbrio, que é uma característica dos trabalhos de direção de Eastwood, se torna o grande trunfo de “Sully”. O foco no drama pessoal do piloto enriquece a trama. E, coloca em primeiro plano o questionamento por um ato tomado com as melhores das intenções, uma angústia que fortalece a identificação do espectador. A interpretação de Tom Hanks reforça esse sentimento. Fisicamente envelhecido e semelhante ao verdadeiro Sully (como comprovam as imagens nos créditos), Hanks deixa de ser Hanks, o que não é tarefa fácil para um ator tão conhecido.
O modo introspectivo e contido de sua interpretação, na verdade, é um espelho do ator Clint Eastwood. Assim como muitos atores representaram Woody Allen em seus filmes (por exemplo, Kenneth Branagh em “Celebridades”), Tom Hanks incorpora o modelo de atuação de Eastwood para construir seu “Sully”. Tanto que, alguns dias após assistir o filme, pensamos que era Eastwood que estava nas telas.
A preocupação em tirar o espetacular do filme está evidente no final, que acontece no tribunal da comissão que está julgando as investigações do acidente. Por fim, “Sully” se encerra com uma frase engraçada, proferida pelo copiloto, que é o alívio cômico do filme. Assim, dessa forma simples, Eastwood fecha o que supostamente seria um filme-catástrofe com efeitos espetaculares.
Ficha técnica:
Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully, 2016) 96 min. Dir: Clint Eastwood. Rot: Todd Komarnicki. Elenco: Tom Hanks, Aaron Eckhart, Laura Linney, Anna Gunn, Valerie Mahaffey, Delphi Harrington, Mike O’Malley, Jamey Sheridan, Holt McCallany, Ahmed Lucan, Katie Couric, Jeff Kober, Blake Jones, Molly Hagan, Cooper Thornton, Autumn Reeser, Molly Bernard.
Assista: entrevista com o diretor e elenco de “Sully: O Herói do Rio Hudson”