Filme de estreia da diretora israelense Elite Zexer, Tempestade de Areia apresenta uma rara oportunidade de conhecer os costumes do povo beduíno.
Em uma aldeia beduína israelita, Jalila é casada com Suliman, com quem tem quatro filhas – mais velha delas é Layla, a garota protagonista do filme. Numa cultura onde a poligamia prevalece, Suliman se casa com uma segunda esposa, mais jovem que Jalila, e com quem passa a viver na casa vizinha. Apesar da tradição, Jalila se sente desconfortável. E acaba confrontando o marido quando ele decide arranjar um casamento às pressas para Layla, a fim de evitar que ela namore um rapaz de outra casta, por quem ela está apaixonada. Como reprimenda, Suliman resolve banir sua primeira mulher.
Tempestade de Areia coloca em primeiro plano a perspectiva da história de Layla. É ela que abre o filme, ao lado do pai que a ensina a dirigir. Através dela, sentimos a revolta que ela sente, com sua paixão juvenil, diante das rígidas regras do seu povo que conhecemos ao longo da estória. Na maior parte do tempo, ela veste as tradicionais roupas que só deixam o seu rosto visível. Então, quando o público a vê em casa com os cabelos soltos, percebe o quão nova ela é. Assim, causa certo espanto ela ter uma personalidade tão forte.
Jalila e Layla
O filme trabalha o desenvolvimento dessas duas protagonistas de forma oposta e surpreendente.
Jalila se sensibiliza com a situação da filha, pois sabe que o casamento arranjado com um homem que não tem nada de especial trará infelicidade a ela. Esse instinto materno de proteção, cumulado com seu desconforto com o novo casamento do marido, explode em uma revolta que ela não consegue controlar, mesmo sendo punida por isso.
Layla reage radicalmente contra o casamento arranjado e o banimento da sua mãe. Resolve, finalmente, aceitar a proposta de fugir de casa com o namorado. Porém, quando falta pouco para concluir essa escapada, ela muda de ideia. Numa reação inesperada para o espectador acostumado a assistir filmes com figuras desbravadoras na tela, a heroína de Tempestade de Areia recua e resolve aceitar o casamento e os costumes de seu povo.
No fechamento do filme, vemos Layla na noite de núpcias logo percebendo o quanto sem graça é o homem com quem está se casando, incapaz até de opinar sobre a cor da parede do quarto. Em seguida, a conclusão com o plano da irmã mais nova observando-os deixa evidente que ela será a próxima a perpetuar os costumes do seu povo beduíno.
A direção
O trabalho de direção de Elite Zexer revela uma segurança inesperada para quem estreia em longa-metragens, tendo realizado apenas três curtas antes. Filmado em locações no deserto de Israel, o filme apresenta planos bem enquadrados, e acertadas variações entre câmera fixa e em movimento, como exige cada cena. A sequência no quintal repleto de varais de roupas demonstra o talento da diretora em trabalhar o cenário para criar uma mise-en-scène altamente dramática.
Tempestade de Areia não retrata uma personagem extraordinária, que se impõe e quebra os paradigmas. Prefere ilustrar o que se passa na realidade. Ou seja, as garotas podem se revoltar, mas a grande maioria acaba seguindo os tradicionais costumes do povo. Jalila, a mãe, dá voz ao tema central do filme, quando diz ao marido que ele sempre faz o que “precisa” fazer e nunca o que ele “quer” fazer. Com exceção dela, que por isso acaba punida com o banimento, todos os outros personagens seguem o que “precisam” fazer.
A própria diretora do longa-metragem, em entrevista no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary (assista aqui) confirma essa prioridade do “precisar” acima do “querer”. Na entrevista, Elite Zexer afirma que precisava fazer o filme.
Dessa forma, a Tempestade de Areia singelamente surpreende o espectador ao apresentar comportamentos de uma cultura pouco conhecida.
Ficha técnica:
Tempestade de Areia (Sufat Chol, 2016)
Israel/Alemanha/França. 87 min. Dir/Rot: Elite Zexer. Elenco: Lamis Ammar, Ruba Blal, Hitham Omari, Khadija Al Akel, Jalal Masrwa, Elham Araf, Shaden Kanboura.
Assista também: entrevista de Elite Zexer e Lamis Ammar no programa “In the can”.