Ao abordar a pandemia da Covid-19, Tempo Suspenso parece deslocado. Ninguém quer reviver a experiência do confinamento, nem retomar os poucos filmes rodados naquelas circunstâncias que, com elenco reduzido e uso intenso de encontros virtuais, serviam apenas para saciar a necessidade de assistir a produções novas. Mas, não há ainda distanciamento temporal suficiente para olhar para essa época com uma nostalgia libertada da melancolia que causou, muito menos para achar graça das idiossincrasias que só poderiam existir em uma situação extrema como essa.
Contudo, é o que o irregular diretor Olivier Assayas propõe em seu novo filme. Sem o timing correto, mas com a coragem de se expor num roteiro autobiográfico, ainda que disfarçado. Filma em sua própria casa de campo (em Montabé, no Vallée de Chevreuse), local que lhe desperta memórias da infância que dão origem à abertura do filme. Com imagens estáticas de espaços específicos, acompanhadas de uma narração em off em tom sussurrado que lhe acrescenta intimidade, essa introdução, assim como os demais trechos similares que surgem ao longo do filme, são o que Tempo Suspenso apresenta de melhor. Chega até a lembrar obras maiores, como as de Manoel de Oliveira (“Blasfêmia!”, reclamarão alguns).
Briga entre irmãos
Mas, a maior parte do filme desagrada. O alter ego de Olivier Assayas é Paul (Vincent Macaigne), que constantemente discute com o seu irmão Etienne (Micha Lescot). Os dois possuem interesses e personalidades diferentes. Paul é cineasta e segue à risca todas as recomendações para evitar ser contaminado. Enquanto isso, o apresentador musical Etienne encara a pandemia sem muita neura. As manias de um irritam o outro e o roteiro insiste tanto nessas brigas que quem acaba se aborrecendo é o espectador. Os alívios são as interações deles com suas respectivas namoradas. Aliás, a única cena de conversa entre as duas mulheres é muito mais interessante que todas as demais discussões.
O filme, além disso, está repleto de piadas internas, que devem fazer todo o sentido para Olivier Assayas, mas para o público não significam nada. Há também uma certa afetação, por conta das citações cultas inseridas sem o talento de Woody Allen, um mestre nesse tipo de escrita.
O que sobra de positivo no filme é a reflexão sobre a pandemia como se fosse um hiato na existência das pessoas – um Tempo Suspenso, como diz o título. Tudo parou durante esse período, e todos tiveram que recomeçar, mas de alguma forma transformados por essa experiência.
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Ficha técnica:
Tempo Suspenso | Hors du temps | 2024 | 105 min. | Direção: Olivier Assayas | Roteiro: Olivier Assayas | Elenco: Elenco: Vincent Macaigne, Micha Lescot, Nine D’Urso, Nora Hamzawi, Maud Wyler, Dominique Reymond, Magdalena Lafont.
Distribuição: Zeta Filmes.
O filme estreia nos cinemas no dia 20 de março de 2025.