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Terence Davies (1945-2023) | Por Sérgio Alpendre

Faleceu neste sábado, 7 de outubro, aos 77 anos, o cineasta britânico Terence Davies, após uma carreira de nove longas, todos eles dignos de nota. O último, Benediction, foi exibido na Mostra Internacional de São Paulo de 2022 e bem recebido por boa parte da crítica, incluindo este que vos escreve.

Uma palavra define a poética desse realizador: rigor. Foi com absoluto rigor que iniciou sua carreira, em 1976, com o primeiro de três curtas que formam uma trilogia autobiográfica sobre Liverpool. Children mostra a infância do personagem fictício Robert Tucker, alter ego do cineasta, e como ele acaba chorando pela morte do pai, que havia desejado dias antes. O preto e branco lavado, os cenários minimalistas e o tempo dilatado mostram um estreante com pinta de autor, o que iria se confirmar nos próximos vinte anos.

O segundo curta se intitula Madonna and Child, de 1980, e mostra o mesmo personagem na idade adulta. O terceiro, Death and Transfiguration, de 1983, mostra os momentos derradeiros de Tucker, numa espécie de antevisão, por Terence Davies, de sua própria morte.

Essa trilogia, por sinal, transformada informalmente em longa com episódios que vão se superando em qualidade, faz parte de uma outra trilogia, seguida em 1988 por Vozes Distantes (Distant Voices, Still Lives), e completada em 1992 por O Fim de um Longo Dia (The Long Day Closes) – foi o primeiro dele que vi no cinema e o impacto no final foi forte, após ter passado a primeira metade pensando se aquilo prestava ou não (para vermos como um ajuste nas expectativas e na concentração – mais importante – contribui para entrarmos ou sairmos de vez de um filme).

Nasce, com esses filmes, uma espécie de culto (reduzido, mas ainda assim marcante) em torno do diretor, em que se reconhece a precisão das composições de quadro, a maneira poética com que a narrativa é conduzida e a atração por personagens marginalizados ou escanteados, frequentemente poetas.

Davies soube fazer um classicismo sólido, muito bem filmado, fotografado e montado, além de bem atuado (ele tem inúmeros méritos como diretor de elenco). Como no melhor do classicismo em cinema, soube incorporar os elementos mais elegantes do cinema moderno, criando clássicos modernos de inegável impacto visual.

Memórias (The Neon Bible, 1995), seu terceiro longa, tem como protagonista Gena Rowlands, provavelmente a atriz de maior peso histórico em todo o seu cinema. A pesquisa histórica continua, assim como os laços familiares e o rigor estético. Mas o longa teve recepção mista à época. Muitos entenderam que Davies estava se adequando a uma ordem mais comercial do cinema. É injusto, mas o filme não tem a mesma força dos dois primeiros longas (pudera, não seria fácil).

Com o quarto longa, A Essência da Paixão (The House of Mirth, 2000), a suspeita continua, apesar do hiato de cinco anos entre um filme e outro.  É outro belo filme, mas não grande. Muito acima da média, mas abaixo do que já havíamos visto com sua assinatura. O hiato é ainda maior para o quinto longa, Sobre o Tempo e a Cidade (Of Time and the City, 2008), um documentário afetuoso sobre sua cidade natal, Liverpool.

Os dois longas seguintes, Amor Profundo (The Deep Blue Sea, 2011) e A Canção do Pôr do Sol (Sunset Song, 2015), indicavam que Davies estava confortável com sua condição de poeta das angústias de outros tempos, criador de imagens belíssimas.

Até que surge Além das Palavras (A Quiet Passion, 2016), belíssimo longa sobre a vida da poetisa americana Emily Dickinson, incompreendida e injustamente esquecida no fim de sua vida. É um forte candidato, ao lado de O Fim de um Longo Dia, ao posto de melhor filme do diretor.

Neste filme extraordinário, o classicismo de Davies recebe injeções de poesia de modo a criar uma narrativa visual imponente e ao mesmo tempo inventiva. Uma espécie de ponto intermediário entre um James Ivory e um Max Ophuls. Talvez seja assim desde o início, mas em Além das Palavras é mais “assim” do que em qualquer outro de seus filmes. Podemos dizer então que esse filme é a súmula de sua poética, o ápice de sua busca estética.

Há o risco, em seu cinema, da derivação e o risco da poesia a priori que tanto incomodava François Truffaut. Davies consegue driblar esses riscos com uma precisão de direção que só é alcançada por seu rigor de pesquisa visual e histórica, pelo entendimento com os demais técnicos criativos da equipe e pelo excelente trato com todo o elenco.

Em Benediction (2021), seu nono e último longa, vemos novamente a representação da vida de um artista na luta contra o ostracismo. Desta vez, o poeta homossexual Siegfried Sassoon, que foi para o front da Primeira Guerra Mundial.

Atormentado pelos horrores que viveu na guerra, deixa a fileira de amantes que conquistou para adotar uma vida pacata em um casamento estável e tradicional. A homossexualidade foi sufocada porque ele tinha guerras demais para lutar num mundo retrógrado e cheio de preconceitos.

É mais um filme excelente, que infelizmente se tornou o último de Terence Davies.

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