A rigidez da forma em Terra de Deus potencializa o sofrimento do protagonista, o padre Lucas (Elliott Crosset Hove), que recebe a dura missão de viajar até uma remota região ao sudeste da Islândia para ali construir uma igreja. Isso no final do século 19. O formato de tela se aproxima do quadrado, opção que impede que a paisagem belíssima em widescreen se transforme numa distração. A natureza ali, de fato, é exuberante, mas o que importa para a narrativa são as suas duras condições. As temperaturas, os rios, os gelos logo se tornam obstáculos praticamente impossíveis para quem não está acostumado com isso, como o padre. A distância a percorrer é longa, e a travessia ocupa metade do filme.
Em certo trecho, um dos integrantes da caravana morre. O incidente serve como gatilho para o desmoronamento físico e psicológico do padre, que já estava no limite de suas forças. Por fim, ele chega ao destino semimorto. Recuperado fisicamente, começa a comandar a construção da igreja. Porém, a sua mente não se recupera. Pelo contrário, pois se afunda numa decadência moral sem fim. Parte disso, porque se sente superior àquele povo sem educação, principalmente em relação ao guia Ragnar (Ingvar Sigurdsson), justo quem lhe salvou a vida. A recusa do padre, que é fotógrafo, de atender o pedido de Ragnar, chega a ser humilhante, pelas razões que ele levanta. Assim, incapaz de se relacionar com os homens da vila, todos munidos de uma brutalidade que lhe é estranha, Lucas se aproxima da jovem Anna (Vic Carmen Sonne) e sua irmã caçula Ida (Ída Mekkín Hlynsdóttir).
A natureza externa versus a natureza interna
O diretor islandês Hlynur Pálmason faz outras escolhas acertadas, além do formato de tela. Também para enfatizar a força da natureza, ele insere uma panorâmica na qual os personagens na caravana saem do quadro pela direita, e a câmera se movimenta lateralmente para a esquerda revelando a imensa paisagem, bela mas feroz, enquanto ouvimos os ruídos do ambiente. Os enquadramentos ao longo do filme, além disso, revelam uma simetria perfeita, não só nas molduras dentro do quadro, como também em aproximações peculiares – por exemplo, o triângulo da tenda do padre durante a jornada com o pico da montanha ao fundo.
Entre outras cenas emblemáticas, destacamos ainda a passagem do tempo retratada numa filmagem em time lapse de um cadáver de cavalo se deteriorando, recurso usado duas vezes no filme. Da mesma forma, a construção do desabamento do padre, quando não consegue rezar a missa porque os simples ruídos de um cão latindo e um bebê chorando se tornam mais fortes que a sua concentração. Um momento sintomático para a morte social de uma pessoa que já estava defunta por dentro.
Terra de Deus conta esta história dura com uma fotografia exuberante, mas a frieza do filme pode afastar alguns espectadores. Não há nenhuma intenção de provocar a empatia pelo protagonista. Assim, o enredo acompanha à distância a sua decadência, talvez para, com isso, facilitar o seu julgamento.
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Ficha técnica:
Terra de Deus | Vanskabte Land / Volaða Land | 2022 | Islândia, Dinamarca | 143 min | Direção e roteiro: Hlynur Pálmason | Elenco: Elliott Crosset Hove, Ingvar Sigurðsson, Vic Carmen Sonne, Jacob Hauberg Lohmann, Ída Mekkín Hlynsdóttir.
Distribuição: Filmicca.
Representante da Islândia para o Oscar 2024, Terra de Deus tem pré-estreia gratuita no dia na Cinemateca Brasileira em São Paulo, no dia 27 de setembro, às 20h.
O filme estreia nos cinemas no dia 28 de setembro de 2023.
Trailer aqui.