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Poster do filme "Tesouro Natterer"
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Tesouro Natterer

Avaliação:
8/10

8/10

Crítica | Ficha técnica

Tesouro Natterer, filme dirigido por Renato Barbieri, venceu a competição do É tudo Verdade 2024 – Festival Internacional de Documentários. Além disso, o filme, por ganhar o Grande Prêmio, automaticamente passa a ser pré-indicado ao Oscar 2025 de Documentários.

O tema

O documentário trata da trajetória do naturalista Johann Natterer no Brasil, como membro da expedição de 1817 ordenada pelo Imperador Francisco I da Áustria. Sua filha, a Arquiduquesa Leopoldina, uniu-se em casamento, nesse mesmo ano, com D. Pedro, príncipe regente do Brasil, e se deslocou para cá, acompanhando a expedição.

Natterer permaneceu, em terras brasileiras, por dezoito anos, reunindo impressionante coleção com mais de 50 mil itens, entre animais, minerais e objetos etnográficos diversos de 68 povos originários.

Tal acervo foi por ele amealhado diretamente (uma parte, porém, foi recebida de terceiros, por doação), durante o extenso percurso que realizou. Partindo do Rio de Janeiro, passou por Sorocaba, indo em direção à Paranaguá, no Paraná. Daí, para o Brasil Central, em terras de Goiás e Mato Grosso. Terminou sua expedição no Norte do País, percorrendo áreas da Amazônia até Belém.

Durante todos esses anos, enviava periodicamente, para a Áustria, remessas do material coletado. Foram 11 lotes, ao todo.

A coleção encontra-se reunida, atualmente, em dois museus de Viena: o Museu de História Natural e o Weltmuseum Wien (Museu do Mundo).

Nascimento e concretização do projeto

Segundo o diretor Renato Barbieri, a primeira notícia que tivera sobre Johann Natterer e seu magnífico acervo foi por meio de uma exposição que o historiador Victor Leonardi fez na Universidade de Brasília (UnB), em 1996, com fotos assinadas por Juan Pratginestos. Victor, por sua vez, conhecera o naturalista a partir de um livro encontrado em meio às obras raras da UnB, e foi ele a mola propulsora do que veio depois. No filme, Victor assina a pesquisa e o roteiro, em parceria com Andrea Fenzl, também diretor de produção e assistente de direção.

O projeto teve longa maturação até sua finalização. Enquanto isso, a parceria entre Renato e Victor foi profícua: resultou em documentários, filmes de longa-metragem, médias e séries. Entre eles, os premiados filmes Atlântico Negro – na Rota dos Orixás (1998) e Malagrida (2001).

Em 2012, uma grande exposição no Museu Etnográfico de Viena, o mesmo que abriga as 2.309 peças etnográficas da Coleção Natterer, deu um novo impulso ao projeto do filme. Pela primeira vez, em 200 anos, as peças foram expostas, o que originou um belíssimo catálogo intitulado “Além do Brasil”, com versões em alemão, português e inglês.

A ideia, a princípio, era filmar essa exposição, mas não houve apoio, à época. Ainda assim, o projeto se fortaleceu com as fotos e textos do catálogo, e a proposta do filme continuou viva. Graças às políticas públicas da ANCINE de fomento ao Cinema Brasileiro, a obra Tesouro Natterer tornou-se realidade e foi concluída, depois de vinte e um anos, em 2023.

Diversidade temporal e de focos narrativos

Para apresentar a viagem do naturalista Natterer, a proposta do roteiro foi mostrar um Brasil em diferentes épocas, e pela perspectiva de diferentes sujeitos que narram e costuram esse percurso.

Na base de tudo estão as 60 cartas escritas pelo próprio Natterer, em alemão gótico, que já tinham exigido grande esforço de decifração, e que foram traduzidas para o português. Por elas, já se tem a visão de base da “Terra Brasilis” e seus habitantes, no início do século XIX.

Em outra vertente, está Kurt Schmutzer, considerado hoje o maior biógrafo de Natterer, que havia concluído sua tese “Por Amor à História Natural – As viagens de Johann Natterer no Brasil, de 1817 a 1835”, por volta de 2015. Por meio de seu discurso, enquanto personagem, amplia a visão sobre a expedição, inserindo-a no contexto da época, mostrando-a como parte dos interesses políticos, econômicos e de investigação científica dos Estados Nacionais europeus, daqueles anos. Por ele, e pela participação do próprio Victor Leonardi, é possível expor no filme um discurso crítico, sobre o alcance dessas expedições.

A ponte temporal e de diversificação de foco narrativo se estendem e se completam com a escolha de um representante das etnias indígenas das regiões visitadas por Natterer. Foram muitas. E a escolha recaiu sobre o povo Munduruku, por meio do olhar de seu representante Hans Munduruku.

É interessante que, por meio de Hans, foi possível explorar alguns temas importantes. Um deles, o complexo debate sobre o repatriamento da coleção para o Brasil. A Áustria se disponibiliza para as conversações, e esse tom amigável fica perceptível pela visitação, que aliás são as cenas que abrem o filme, de Hans ao Museu.

Não se pode esquecer, contudo, que no cerne do debate está também a questão da preservação do acervo. Sabe-se que os requisitos que a moderna museologia e museografia disponibilizam são eficazes, mas nem todas as instituições dispõe deles. E se há as ameaças que pairam sobre a preservação natural do acervo, outras tantas são mais complexas: a destruição das terras indígenas, a vulnerabilidade de sua integridade, e a dificuldade de preservação da identidade cultural das diversas comunidades. Esses foram temas não esgotados, evidentemente, mas introduzidos para reflexão, pelo roteiro.

Outra estratégia narrativa bastante bela foi a mescla entre desenhos das paisagens brasileiras, efetuados por diferentes viajantes das expedições de naturalistas pelo Brasil, com as tomadas atuais, dos mesmos locais, em plano geral. O jogo entre ambas as situações, que explorou de forma magistral a luz, nesse último caso, é marcante. Foi mais um recurso – imagético – que deu densidade e tangibilidade à tão desejada, buscada e encontrada ponte temporal. 

Segundo Barbieri, “ganhar o grande prêmio do Festival É Tudo Verdade foi uma grande conquista para o filme Tesouro Natterer. É o festival de documentários mais importante da América Latina. Isso tem gerado uma grande visibilidade e expectativa para se conhecer a obra e um carimbo de qualidade inequívoco para o filme”.

Texto escrito pelas historiadoras Solange Peirão e Carmo Tedesco especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Tesouro Natterer | 2023 | 84 min | Brasil | Direção: Renato Barbieri | Roteiro: Renato Barbieri, Neto Borges, Rodrigo Borges, Andrea Fenzl, Victor Leonardi.

Cena do filme "Tesouro Natterer"
Cena do filme "Tesouro Natterer"
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