A narrativa atemporal de “Toda Forma de Amor”
Em “Toda Forma de Amor”, o diretor Mike Mills arquiteta uma estrutura narrativa que monta os acontecimentos da trama em ordem não cronológica. Tal formalismo incrementa um roteiro por si só muito criativo, também assinado por Mills.
A estória se passa em Los Angeles. Oliver (Ewan McGregor), poucos anos após a morte de sua mãe, recebe a notícia que seu pai, Hal (Christopher Plummer), está com câncer terminal, e que ele é gay e está em um relacionamento com um namorado mais jovem, Andy (Goran Visnjic). Enquanto se adapta, sem críticas, à nova situação, Oliver se envolve com Anna (Mélanie Laurent), uma atriz francesa que mora em Nova York, e se hospeda em um hotel quando vem a Los Angeles. O roteiro acompanha os últimos momentos em vida de Hal e o desenvolvimento da relação de Oliver e Anna, e o que poderia soar previsível demais conquista o espectador com a quebra da cronologia e inserção de flashbacks e montagens visuais diversas.
Para conhecermos o personagem principal, “Toda Forma de Amor” apresenta uma colagem de fotos e vídeos, com narrativa do próprio Oliver, às vezes lembrando uma apresentação animada no estilo daqueles criados com um software como o Prezi. Em outro momento, a fim de demonstrar que o protagonista ainda não encontrou um relacionamento satisfatório, o filme coloca uma montagem de ilustrações feitas por Oliver, que é desenhista gráfico, retratando as mulheres que passaram pela sua vida.
Romance
O “boy meets girl” tradicional do gênero romance também é original em “Toda Forma de Amor”. Oliver está em uma festa à fantasia, vestido de Freud, e conhece Anna, travestida de homem. A atração que surge entre eles, então, é além do físico, já que a aparência deles é uma incógnita. Além disso, Anna está sem voz devido a uma laringite, portanto, não é possível sequer se comunicarem propriamente. Depois da festa, os dois seguem para o quarto de hotel de Anna, e somos desafiados a tirar nossas conclusões a respeito do que fazem lá, devido à montagem das cenas fora de ordem. Vemos os dois dormindo juntos, e só depois testemunhamos que os dois fizeram sexo.
O jogo temporal consegue aquele sentimento mágico do espectador, que é o de descobrir conexões que o filme não entrega facilmente. Isso acontece quando, na primeira parte do filme, Oliver entra no carro com Anna, para irem do local da festa até o hotel onde ela está hospedada. Como a garota está sem voz, ele pede que ela aponte a direção e ele dirigirá. Essa mesma frase surgirá novamente bem posteriormente, e o público poderá entender que Oliver está repetindo essa frase que foi dita por sua mãe a ele, quando ela o ensinava a dirigir, ainda criança. Isso reforça o impacto que o relacionamento muito próximo com sua mãe ainda ecoa em sua vida adulta, o que fora exposto antes em várias sequências de flashback do filme.
Descoberta do tempo atual
Somente na parte derradeira de “Toda Forma de Amor” o público percebe qual o tempo atual em que se encontram os personagens, revelando qual parte do que surgiu nas telas era memória e qual era uma situação atual.
Essas características de “Toda Forma de Amor” o colocam acima do drama romântico banal. Sem contar ainda a magnífica atuação de Christopher Plummer, provando enfim que não era apenas um galã para estrelar filmes como “A Noviça Rebelde” (The Sound of Music, 1965). Com esse papel, ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, o único de sua carreira, aos 82 anos, tornando-se o ator mais velho a levar o prêmio até agora.
Ficha técnica:
Toda Forma de Amor (Beginners, 2010) 105 min. Dir/Rot: Mike Mills. Com Ewan McGregor, Christopher Plummer, Mélanie Laurent, Goran Visnjic, Kai Lennox, Mary Page Keller, Keegan Boos, China Shavers, Melissa Tang, Amanda Payton, Luke Diliberto, Lou Taylor Pucci, Bambadjan Bamba, Jennifer Lauren, Reynaldo Pacheco, Cosmo.
Assista: entrevista de Mike Mills sobre “Toda Forma de Amor”