O diretor de Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness), Ruben Östlund, sempre foi o queridinho de Cannes. Logo em seu terceiro longa, Involuntário (De ofrivilliga, 2008), conseguiu uma indicação ao prêmio Un Certain Regard no festival francês. Em seguida, conquistou o prêmio da sessão “Coup de Coeur” com seu filme Play (2011), que abriu sua escalada de vitórias. Seu Força Maior (Turist, 2014) ganhou o Un Certain Regard e, finalmente, seu The Square (2017), abocanhou o prêmio maior, a Palma de Ouro.
Agora, Triângulo da Tristeza repete o feito trazendo-lhe a segunda Palma de Ouro. Aliás, as conquistas de Cannes abriram também as portas do Oscar para o sueco Östlund. Assim, The Square concorreu ao Oscar de filme em língua estrangeira. E seu novo filme vai além, disputando as estatuetas da Academia nas nobres categorias de melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro. Mas, será que é para tanto?
As premiações para The Square são compreensíveis. Embora seja um filme irregular, Ruben Östlund deixa uma forte impressão. Revela-se um cineasta provocador, questionando o valor da arte. E teve o mérito de criar uma cena antológica, aquela do jantar onde um artista incorpora o comportamento de um animal selvagem, e os convidados não sabem como reagir diante dessa incômoda presença. Uns se assustam e aceitam as provocações, outros embarcam no jogo e alguns fogem do local.
Östlund como punk performático
Ruben Östlund parece incorporar esse artista performático em Triângulo da Tristeza, despertando similares reações dos espectadores. A agressividade se materializa nas cenas escatológicas com vômitos e diarreias, o que demonstra o esvaziamento de ideias do realizador. Compare essas cenas desse jantar com aquela citada de The Square e fica provado que o diretor que arquitetou a tensão que sutilmente cresce naquele filme anterior já não estava inspirado quando optou pelo nojo como ferramenta de expressão.
E Triângulo da Tristeza investe no desagradável durante todas as suas quase duas horas e meia de duração. A intenção é criticar o poder baseado no poder econômico. Por isso, a trama se passa num cruzeiro de luxo. Antes, o filme apresenta os personagens que mais se aproximam do protagonismo, os modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean). Na verdade, são os únicos hóspedes do cruzeiro que não pertencem à alta classe. Yaya ganhou as passagens por causa de suas redes sociais. Mas, que vivem num ambiente de privilégios.
Num desfile, o slogan “todos são iguais” contrasta com a cena em que convidados menos importantes precisam ceder seus lugares para pessoas mais poderosas. Desde aí notamos que, desta vez, Östlund trabalha em mensagens nada sutis. Essa do desfile, aliás, é bem fraquinha. Na verdade, o cineasta parece buscar o título de “diretor de cinema punk”, um revoltado direto e agressivo. As tintas jogadas nos modelos, e a música punk na trilha indicam essa vontade.
Desagradável e incômodo
Nenhum personagem no filme é agradável. O materialismo, a ostentação, a futilidade, a individualidade, enfim, todos colocam esses valores tortos em primeiro lugar. Nem mesmo os empregados do navio se salvam. Por exemplo, Paula (Vicki Berlin), a supervisora, entra no filme com um discurso para motivar a equipe que se encerra com todos gritando “Dinheiro! Dinheiro!”. E a faxineira Abigail (Dolly Le Leon), quando detém o poder de ser a única capaz de sobreviver na ilha após naufragarem, decide explorar os demais.
Por fim, o filme reforça a característica de Ruben Östlund de montar sua narrativa através de múltiplos personagens de semelhante importância e, mais que isso, com cenas muito longas. Isso já estava em The Square, mas aqui parece mais enfatizado, até por que as situações, propositadamente fúteis, beiram o insuportável. Assim, temos a interminável discussão do casal Carl e Yaya a respeito de quem paga a conta do jantar. Da mesma forma, temos a longa, e cada vez mais chata, brincadeira do capitão (Woody Harrelson) e do milionário russo Dimitry (Zlatko Buric) falando besteiras no microfone do barco.
Em suma, o filme é uma sucessão de cenas longas e irritantes. Resta cada espectador decidir como quer reagir diante desse Östlund performático. Aplaudir como Cannes (e copiar como o Oscar), tentar embarcar no clima, ou sair da sala de cinema?
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Ficha técnica:
Triângulo da Tristeza | Triangle of Sadness | 2022 | 147 min | Suécia, França, Reino Unido, Alemanha, Turquia, Grécia, EUA, Dinamarca, Suíça, México | Direção e roteiro: Ruben Östlund | Elenco: Harris Dickinson, Charlbi Dean, Vicki Berlin, Dolly De Leon, Alicia Eriksson, Woody Harrelson, Zlatko Buric, Sunnyi Melles, Carolina Gynning.
Distribuição: Diamond / Galeria.