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Tudo que o Céu Permite (filme)
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Tudo que o Céu Permite

Avaliação:
10/10

10/10

Crítica | Ficha técnica

Tudo que o Céu Permite: Douglas Sirk faz do melodrama uma obra-prima.

O diretor alemão realizou uma série de melodramas para a Universal nos anos 1950. Todos muito bons, e Tudo que o Céu Permite é um dos melhores deles.

A trama

Na história, Jane Wyman vive Cary Scott, uma viúva de meia-idade, com um casal de filhos em idade universitária. Na pequena cidade interiorana dos EUA, as pessoas com quem convive socialmente a incentivam a se casar novamente. Nesse sentido, o candidato é um velho senhor da mesma classe. Porém, ela acaba se apaixonando pelo bonito e jovem jardineiro Ron Kirby, papel de Rock Hudson.

Quando Cary e Ron decidem se casar, todo o círculo social da viúva se posiciona radicalmente contra. E o que é pior, os filhos dela também.

Preconceito

Em sua camada mais superficial, a oposição do grupo social ao casamento surge de dois preconceitos em relação a Ron: idade e classe social. Afinal, há uma diferença grande de idade entre ele e Cary, e o rapaz é apenas um jardineiro, ou seja, não tem muito dinheiro. Logo, surge o boato de que ele só está interessado no patrimônio dela.

Em análise mais profunda, a aversão ao enlace se origina, também, dos ciúmes. De um lado, por parte das mulheres em seus casamentos assexuados, que desejam também ir para a cama com um homem jovem e bonito como Ron. Por isso, a fofoqueira da turma logo inventa que eles já tinham um caso enquanto o marido de Cary estava vivo. De outro lado, há também os homens que tentam seduzir a viúva e não conseguem, inclusive um personagem que é casado. Então, o ciúme deles vem do desejo de possuir Cary.

Egoísmo

Para os filhos Kay e Ned, a felicidade da mãe não importa. Eles só se preocupam com o impacto negativo que esse casamento teria sobre eles. Kay teme que o seu noivado seja cancelado, e Ned não suporta a ideia de ela sair da casa da família e, muito menos, de um rapaz fazer sexo com sua mãe. As reações deles são infantis, e isso fica evidente quando Kay vai até o quarto dela choramingando. Nessa cena, a luz que entra da janela com vidro coloridos forma uma espécie de arco-íris sobre a menina, ressaltando essa infantilidade.

No momento mais tocante do filme, após Cary escolher abdicar de sua felicidade ao lado de Ron para ceder aos caprichos dos seus filhos, ela percebe que tomou a decisão errada. Afinal, é véspera de Natal e os filhos nem chegaram a tempo, deixando-a sozinha nessa noite. Da janela de sua casa, ela sofre sozinha vendo as crianças cantando felizes na rua cheia de neve.

No dia seguinte, fica evidente para ela o egoísmo dos seus filhos. Kay está radiante porque vai se casar e Ned entusiasmado por estudar em outra cidade e com planos para trabalhar no exterior. Ou seja, toda a lamúria deles contra o casamento com Ron não se justificou. Afinal, eles nem pensam em viver nessa cidade. Ned até propõe que vendam a casa, grande demais para uma só pessoa.

Então, numa cena antológica, Ned presenteia a mãe com uma televisão. Assim, ela pode passar o resto de sua vida solitária e sem emoções, assistindo aos programas de TV. O reflexo da imagem de Cary na tela do aparelho enfatiza sua reação ao perceber que jogou fora uma vida feliz para contentar os filhos que não precisam mais dela.

Filosofia de vida

Além disso, Tudo que o Céu Permite trabalha uma outra chave, uma crítica à sociedade urbana e materialista que valoriza demais as aparências. O personagem Ron Kirby representa o homem correto, que vive uma vida próxima à natureza, focado no essencial. Por isso, ele trabalha como jardineiro apenas para ganhar o suficiente para garantir suas necessidades básicas. Seu plano maior é cultivar árvores, e ele até mora num cômodo ligado a uma estufa.

Assim, enquanto Cary sofre dores de cabeça como efeito de seu arrependimento por cancelar o casamento, Ron perde o foco em suas atividades rotineiras. Por isso, ele erra todos os tiros quando sai para caçar com o amigo. Então, é emblemático que ele corra atrás do carro de Cary com uma ave abatida numa das mãos. Isso significa que ele decidiu lutar pelo amor dela, mesmo que ela o tenha dispensado. De acordo com sua filosofia de vida, dessa forma ele é sincero com ele mesmo, e parte atrás do que realmente importa. Esse pensamento, sempre claro para Ron, é o ponto de chegada da transformação de Cary durante a história.

H.D. Thoreau

O personagem Ron Kirby representa o pensamento do escritor Henry David Thoreau, conforme o autor expressa no seu livro “Walden”, lançado em 1854. A filosofia de vida de Ron é claramente uma transposição dessa autobiografia, em que ele conta o tempo em que viveu em uma cabana na floresta, em contato direto com a natureza, construindo com as próprias mãos seus móveis. O livro critica a sociedade urbana, e defende a independência individual, longe da sociedade materialista.

Essa analogia não é apenas interpretativa. No filme, Cary vê o livro de Thoreau em cima de um móvel na casa de Mick, o amigo de Ron. A obra fica permanentemente aberta em alguma página, como uma Bíblia, e Cary até lê um trecho dele. Mick era um executivo numa grande empresa, e decidiu largar tudo para morar no interior, por influência do modo de vida de Ron.

Por sinal, o veado que surge na janela da casa de Ron simboliza o encontro de Cary com essa nova filosofia. A partir dali, ela passará a viver em contato com a natureza, seguindo seus instintos e valorizando o que realmente importa.

Melodrama

Muitos criticam o melodrama como se fossem novelas para entreter o seu público-alvo feminino. Porém, essa afirmação não pode ser generalista, principalmente em relação aos filmes de Douglas Sirk. Tudo que o Céu Permite é uma das melhores provas disso.

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Ficha técnica:

Tudo que o Céu Permite (All That Heaven Allows) 1955, EUA, 89 min. Direção: Douglas Sirk. Roteiro: Peggy Thompson. Elenco: Jane Wyman, Rock Hudson, Agnes Moorehead, Conrad Nagel, Virginia Grey, Gloria Talbott, William Reynolds, Charles Drake.

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