Talvez a Netflix tenha incluído o filme Turbulência (Turbulence) em seu catálogo a fim de homenagear o ator Ray Liotta, recentemente falecido em 26 de maio de 2022. O filme foi um tremendo fracasso de público e de crítica, provavelmente por causa de sua trama considerada absurda. Mas, revendo hoje, após o ataque terrorista ao World Trade Center em 2001, esse enredo ganha outra perspectiva. Além disso, no seu lançamento pesou na balança, contra o filme, o fato de seus dois principais talentos não representarem garantia de qualidade. Na direção, o prolífico veterano Robert Butler, que trabalhou exaustivamente como diretor de episódios de seriados, mas fez apenas onze longas para o cinema. E, no roteiro, o medíocre Jonathan Brett, autor de apenas seis scripts em vinte anos de carreira.
Brett não foi capaz de enxergar que criara um roteiro genial. Com uma inspiração única, ele inseriu o subgênero do filme-catástrofe dentro do suspense policial. Assim, a batida ideia do serial killer perseguindo a mocinha acontece dentro de um avião sem pilotos que entra numa tempestade de periculosidade máxima. Como essa situação se formou? Aí que entra uma inventividade quase premonitória de Jonathan Brett.
Premonição
É véspera de Natal, e o avião (um enorme Boeing 747) que parte de Nova York para Los Angeles possui poucos passageiros. Entre eles, policiais que escoltam dois condenados: um rústico assaltante de banco e um charmoso assassino de mulheres. Este último, Ryan Weaver (Ray Liotta), condenado à pena de morte, quer que o avião caia no aeroporto de destino e cause muita destruição. Após matar muita gente, seu único obstáculo agora é a obstinada comissária de bordo Teri Halloran (Lauren Holly). Mas, se ela falhar, um avião de caça F-14 está na cola para alvejá-lo nos ares. Ou seja, muitos pontos em comum com o que aconteceu no World Trade Center. Há até mesmo a visão de hóspedes do hotel que veem o avião pela janela vindo na direção deles.
Em outros aspectos, Turbulência busca influências de outras produções. Para começar, a escolha da época natalina logo remete a Duro de Matar (Die Hard, 1988). Já as cenas paralelas que enganam o espectador na primeira sequência, e o embate psicológico entre Weaver e Teri lembram O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991). Ademais, o trecho em que Teri caminha sorrateiramente pelos ambientes do avião (sem iluminação devido a uma pane elétrica) parece saído de qualquer filme slasher com um serial killer à espreita. O terror também ganha ênfase no detalhe da máscara de oxigênio que cai perto de um dos cadáveres a bordo, e quando esses mortos balançam com a turbulência.
De tirar o fôlego
A ação é ininterrupta até o último instante, com ameaças vindo de várias fontes (o avião desgovernado sem pilotos, a tempestade, o F-14 pronto para abater o Boeing, o serial killer etc.). Não sei se a trama passa pelo escrutínio dos vigilantes de verossimilhança, mas o que importa é que o filme funciona. Ray Liotta está ótimo, com carta livre para parecer cada vez mais enlouquecido, principalmente porque se vê numa situação inédita. Afinal, inteligente e manipulador, ele não entende como não consegue derrotar a aparentemente frágil Teri.
Sem dúvida, o tempo fez Turbulência crescer, e merece uma revisita até daqueles que não gostaram do filme pela primeira vez.
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Ficha técnica:
Turbulência | Turbulence | 1997 | EUA | 100 min | Direção: Robert Butler | Roteiro: Jonathan Brett | Elenco: Ray Liotta, Lauren Holly, Brendan Gleeson, Hector Elizondo, Rachel Ticotin, Jeffrey DeMunn, John Finn, Ben Cross, Catherine Hicks, Heidi Kling.