Ao partir de uma construção realista, Um Céu de Estrelas explode sua violência absurda nas telas do cotidiano urbano. Com isso, individualiza uma das muitas tragédias noticiadas diariamente na televisão. E seu impacto é potencializado em proporção maior do que a diferença do tamanho da tela do televisor e da sala do cinema.
Antes do filme em si, há um prólogo que injeta uma tensão desconfortável no espectador. Na verdade, é um cinema experimental que apresenta em colagens de fotos e planos curtos com enquadramentos estranhos. O assunto deles são as pessoas e as construções da Mooca, bairro industrial de São Paulo. Nesse trecho, que dura oito minutos, a câmera capta a realidade, mas a montagem a transforma em uma introdução perturbadora. É como se a intenção fosse colocar o espectador no mesmo nível de tensão que esse ambiente provoca nos personagens que entrarão logo após o título do filme.
Uma casa na Mooca
Analogamente, a estória se passa em uma casa de classe baixa no bairro da Mooca. De cara, a impressão que temos é que a direção de arte de Um Céu de Estrelas aproveitou tudo o que havia nessa casa como cenário e objetos de cena. Afinal, o que vemos nesse espaço pequeno transpira autenticidade. E isso é essencial para o filme, pois praticamente toda a trama se passa lá dentro.
Nessa casa, vive Dalva, uma jovem que se prepara para viajar para Miami, como prêmio por vencer um concurso de cabelereiras. Porém, seu ex-noivo Victor chega de repente, e se recusa a ir embora, mesmo diante dos pedidos da moça. Quando a mãe de Dalva volta das compras, o clima fica ainda mais tenso. Logo, explode uma violência descomedida, e o caso entra ao vivo no noticiário da TV.
Antes do frenesi, Um Céu de Estrelas parece caminhar para o teatro filmado. Afinal, o cenário é único, e a ação envolve apenas dois personagens discutindo. Além disso, a dupla alterna o tom emocional, característica comum do palco. Mas, logo essa impressão se dissipa, pois a diretora Tata Amaral faz sua estreia em longas utilizando muitos planos próximos dos personagens, bem como uma câmera em constante movimento. Como resultado, o espectador não fica observando a cena de longe, da plateia, mas lado a lado com os protagonistas.
Insanos
À medida que a tensão cresce, mais insanos ficam Victor e Dalva. Nesse sentido, o rapaz é quem age ativamente com violência inexplicável, mas a moça reage com similar insensatez. Por exemplo, após uma tragédia, os dois praticam sexo com violência, como se fossem animais e não mais humanos. A partir de então, a situação perde o controle e parece não haver uma saída pacífica para o imbróglio. Como último recurso, Dalva reza para que tudo acabe bem, numa bela cena em que uma luz vem lateralmente de cima, como que a santificando.
Um Céu de Estrelas consegue imprimir um retrato realista da violência urbana, através de uma mise-en-scène autêntica que se contrapõe com um estilo de filmagem imersivo, que coloca o espectador dentro desse drama trágico. Ainda que o comportamento irracional dos personagens provoque uma imediata aversão do público, o filme apresenta um relato possível nessa selva de pedra habitada por humanos que, às vezes, se comportam como animais.
Depois, Tata Amaral voltaria a retratar a violência urbana em outro formato atualizado, no filme Sequestro Relâmpago (2018).
___________________________________________
Ficha técnica:
Um Céu de Estrelas (1996) Brasil. 70 min. Direção: Tata Amaral. Roteiro: Jean-Claude Bernadet, Márcio Ferrari, Roberto Moreira. Elenco: Paulo Vespúcio, Leona Cavalli, Lígia Cortez, Néa Simões, Norival Rizzo, Rosa Petrim.