Segundo a entrevista que fizemos com o diretor Philippe Le Guay, a intenção de Um Intruso no Porão é de apresentar o vilão do título como a ameaça dos negacionistas que querem distorcer os fatos da História. No entanto, o roteiro se distancia dessa motivação inicial, e deixa perigosamente em aberto a discussão sobre esse tema delicado.
O nome do filme e sua sinopse podem dar a impressão de que se trata de mais uma comédia sobre vizinhos que se desentendem. Durante a projeção, uma sequência recorrente de travelling pelos corredores escuros do porão com música sinistra ao fundo parecem conduzir ao gênero suspense. Nada disso, Um Intruso no Porão se definirá como um sério drama social e político.
Na trama, Simon Sandberg (Jérémie Renier) vende o porão de seu apartamento para Jacques Fronzic (François Cluzet), sem saber que o comprador é um negacionista racista. Quando descobre, já é tarde demais – o negócio foi fechado e o cheque compensado. Simon recorre aos seus advogados para uma solução na justiça. Enquanto isso, se torna cada vez mais transtornado, principalmente porque perdeu um tio nos campos de concentração, e Fronzic defende que o holocausto não aconteceu.
Desenvolvimento
O argumento original soa promissor, mas o desenvolvimento da história desperdiça esse potencial. Em especial, por dois aspectos. O primeiro, porque, para o enredo funcionar, Fronzic deveria ser um vilão tão detestável que fizesse o público compartilhar o mesmo ódio incontrolável que o seu antagonista Simon sente dele. Porém, o filme não mostra Fronzic abertamente cometendo seus crimes de ódio e difamação. Os seus atos surgem na história de maneira indireta, seja através de terceiros ou pesquisas via internet. Inclusive, se desperdiça a oportunidade de mostrá-lo escrevendo ofensas na porta do apartamento de Simon, que seria uma imagem contundente.
Enfim, talvez por tentar refletir como esses extremistas agem, o filme revela Fronzic como um ardiloso e inteligente argumentador em defesa de suas ideias. Por isso, consegue influenciar as pessoas, entre elas, a esposa e a filha de Simon, e alguns moradores do mesmo prédio. Dessa forma, provoca a desestruturação da família de Simon e frustra a tentativa deste de colocar o condomínio contra o intruso.
Já o outro aspecto que desvirtua o argumento original está na reação extremamente violenta de Simon contra Fronzic. Pode-se compreender que ele perde o controle porque o negacionista ofende suas raízes, mas para que o filme consiga passar sua mensagem original, seria crucial que o protagonista mantivesse seus ataques dentro do limite da civilidade. E, colocar fogo no porão, definitivamente, extrapola esse limite.
Dessa forma, corre-se o risco de caracterizar os dois antagonistas como vilões do mesmo nível. E, transformar o alerta original contra os negacionistas em uma luta contra a intolerância. Aliás, que não deixa de ser uma mensagem válida, mas essa não era a intenção inicial dos realizadores.
Direção e elenco
O diretor de Um Intruso no Porão é o experiente Philippe Le Guay, que realizou seu primeiro filme em 1983. Aliás, o tema de intrusos num prédio já foi tema de outra obra sua, o longa As Mulheres do Sexto Andar (Les femmes du 6e étage, 2010). Nessa comédia, um grupo de empregadas espanholas causa distúrbios na vida de um casal conservador que mora no mesmo prédio. Da mesma forma, não é a primeira vez que Le Guay conta com François Cluzet como protagonista. Em seu filme anterior, Normandie Nua (Normandie nue, 2018) Cluzet interpreta um prefeito de uma pequena cidade.
Por fim, além de Cluzet, Um Intruso no Porão traz mais duas estrelas do cinema francês. Jérémie Renier, de My Way – O Mito Além da Música (Cloclo, 2012) e outros, interpreta Simon. E, Bérénice Bejo, de O Artista (The Artist, 2011) e outros, faz sua esposa Hélène.
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Ficha técnica:
Um Intruso no Porão | L’Homme de la Cave | 2021 | França | 114 min | Direção: Philippe Le Guay | Roteiro: Philippe Le Guay, Gilles Taurand, Marc Weitzman | Elenco: François Cluzet, Jérémie Renier, Bérénice Bejo, Jonathan Zacaï, Victoria Eber, Denise Chalem, Patrick Descamps, Ambroise James Di Maggio, Sacha Attal, Sharif Andoura, François-Eric Gendron, Laëtitia Eïdo, Martine Chevallier.
Distribuição: Synapse.
Confira a entrevista que fizemos com o diretor Philippe Le Guay:
O filme está no Festival Varilux de Cinema Francês, que acontece entre 25 de novembro e 8 de dezembro de 2021.