O título pode levar à falsa sugestão de que Uma Vida Sem Ele (À propos de Joan) se trata de um drama romântico. E o primeiro terço do filme faz questão de manter essa presunção. Mas o que fica evidente, desde o início, é que a protagonista Joan (Isabelle Huppert) quer a cumplicidade do espectador durante essa sua história restauradora. Por isso, fala diretamente para a câmera, expondo suas origens e abrindo espaço para o flashback do amor que viveu na juventude.
Entrando na vida adulta, Joan passava um tempo na Irlanda, quando se apaixonou pelo trambiqueiro Doug (Éanna Hardwicke). Juntos, começaram a bater carteiras, até serem presos. Os pais de Joan vão da França até lá para a levar de volta. Os jovens namorados se separam, sem que Doug saiba que Joan está grávida. Num tom romântico leve, esse trecho inicial não traz nada de empolgante. Exceto a cena na qual os dois se estimulam através da parede que separa as celas da delegacia onde estão trancados.
O que salta aos olhos, negativamente, é que a atriz que interpreta a versão jovem de Joan (a inglesa Freya Mavor, de 1,78m) não se parece nada com Isabelle Huppert. Isso cria um obstáculo desnecessário, nessa parte do filme. Mas, como a história começa a entrar em um viés menos concreto, é possível que o diretor Laurent Larivière a tenha escolhido para indicar que a personagem era muito mais cheia de vida em sua juventude.
O inconsciente pede passagem
O filme começa a ganhar interesse quando escapa do mundo material. Assim, surpreende quando Joan projeta a visão de sua mãe fazendo sexo com um polvo, como mescla da descoberta da sua infidelidade com um quadro com essa imagem. Da mesma forma, a obrigatória cena de dança do cinema francês contemporâneo aqui termina num tom sombrio, com um pé no fantástico. E outra cena de impacto, esta crucial para a virada da protagonista, coloca Joan flutuando em uma piscina com líquido branco. Nesse momento, ela se vê como o rato cobaia da experiência que constata os danos provocados pelo bloqueio de uma parte da memória.
Assim, surge aí a chave que elucida esse enredo que começa no plano terreno e depois mergulha no psíquico. O gatilho para o despertar de Joan é a morte da mãe que, ao contrário dela, teve coragem de partir atrás da sua felicidade, largando o marido. Por fim, Joan aceita o seu passado, e investe no que está à sua frente. Vende a velha casa da família e aceita o relacionamento com seu cliente que a ama. Desta vez, à beira da escada, ela olha para o espectador, mas não fala nada.
Uma Vida Sem Ele começa no modo automático, como a própria Joan. À medida que mergulha num tom sombrio e escancara o trauma forçadamente bloqueado, fica mais interessante.
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Ficha técnica:
Uma Vida Sem Ele | À propos de Joan / About Joan | 2022 | França, Alemanha, Irlanda | 101 min | Direção: Laurent Larivière | Roteiro: François Decodets, Laurent Lariviere | Elenco: Isabelle Huppert, Lars Eidinger, Swann Arlaud, Freya Mavor, Florence Loire Caille, Stanley Townsend, Éanna Hardwicke.
Distribuição: Imovision.
Trailer aqui.
